Sem a 'proteção' do palco, as doze atrizes que compõem o espetáculo apresentam-se sentadas em cadeiras dispostas em círculos, no mesmo ambiente da plateia, mantendo, até o final da apresentação, a dúvida de quem é atriz e de quem é espectador.
O caráter experimental vai ainda mais longe, e o encenador, o brasileiro Roberto Naar, brinca ainda com a ordem das "deixas", que ficam "soltas", numa ordem que varia todos os dias dia, conforme a cumplicidade das atrizes.
"Não temos uma ordem pré-estabelecida para entrar, todo o dia fazemos "jazz" [improvisamos], cada dia acontece de um jeito diferente e parece sempre que é o melhor dia, a melhor ordem", afirma Carolina Floare à Lusa, destacando que essa sintonia se dá, graças à enorme cumplicidade entre as atrizes, criada ao longo da montagem da peça.
O projeto, baseado em textos escritos pelas próprias atrizes, mas também pelo diretor e outros autores, explora histórias íntimas do mundo das mulheres, entre os 22 e 60 anos, que revelam histórias e segredos mais íntimos, em formato de depoimentos, todos contados com grande sensibilidade.
"O processo entre nós, atrizes, foi e continua sendo maravilhoso, não nos cansamos de agradecer e de nos declaramos apaixonadas umas pelas outras, todos os dias", revela Carolina Floare, admitindo que esta é também uma relação rara, num elenco com tantas mulheres.
O processo para a montagem da peça arrancou no início do ano, quando as atrizes foram chamadas para uma audição com o encenador. Carolina conta que foi fazer o teste ainda sem saber bem o que a aguardava pela frente.
"Ninguém sabia do que se tratava, apenas que éramos um grupo enorme de mulheres - chegamos a 42 -, que ele havia juntado para dizer textos [...] Aos poucos o conceito do trabalho foi se formando, eu e outras atrizes começámos a escrever textos e tudo foi se misturando, inclusive ficção e realidade", lembra.
No final do espetáculo, a plateia fica sabendo que algumas das histórias - mas não quais - são verdadeiras, deixando ao sabor da imaginação de cada um divagar sobre realidade e ficção.
A mobilidade da peça conta ainda com a mudança de atrizes e papéis - o espetáculo está em cartaz simultaneamente em dois teatros, com apresentações de quarta-feira a domingo e, em alguns dias, há atrizes distintas, ou ainda uma mesma atriz incorpora uma personagem nova.
De quarta a quinta, no Teatro Midrash, no Leblon, Rio de Janeiro, Carolina Floare interpreta um texto próprio, encarnando o papel de uma portuguesa, que fala dos "divisores de águas" na vida, lembrando a morte de um cão, que assistiu de perto, e da avó, que acompanhou à distância.
"A gente só nasce quando somos nós que temos as dores", é como termina o texto desta personagem, em alusão ao verso da poetisa portuguesa Natália Correia.
No Teatro do Jockey, na Gávea, em exibição de sexta a domingo, Carolina representa uma pintora brasileira, que fala sobre os seus dilemas profissionais e as dificuldades em conseguir reconhecimento na carreira.
No Brasil desde dezembro de 2009, Carolina formou-se pela Companhia de Teatro Contemporâneo, com a qual se apresentou em várias peças até 2012, ano em que ganhou o prémio de melhor atriz do X Festival de Teatro Cidade do Rio da Janeiro, pela peça ‘Hamlet’, que encenou, traduziu e adaptou.