"Filhos da Lua", que tem o apoio do Festival de Cinema Brasileiro do Luxemburgo, foi filmado durante uma viagem ao Brasil pelo português Mauro de Almeida, secretário da ONG luxemburguesa Terra dos Homens, que desenvolve projectos para apoiar esta população indígena, em colaboração com a associação brasileira Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya).
O secretário da ONG luxemburguesa passou duas semanas no estado de Roraima, no norte do Brasil, e no Amazonas, numa acção de formação de professores nativos apoiada pela ONG luxemburguesa, durante o verão de 2013.
As filmagens e entrevistas que fez acabariam por despertar o interesse do realizador luxemburguês Fränk Muno, co-autor do documentário, que procura dar voz ao povo Yanomami.
"Os povos indígenas não gostam muito de ser filmados, porque têm tido más experiências com os media, mas consegui conquistar a confiança deles, e é uma oportunidade para mostrar o que os Yanomami têm a dizer, na primeira pessoa e sem intermediários", disse à Lusa Mauro de Almeida.
Os Yanomami (termo que significa "ser humano") são uma população autóctone que vive na fronteira do Brasil com a Venezuela, ameaçada pela luta de terras e pelos garimpeiros que invadem ilegalmente a reserva estabelecida pelo Governo brasileiro.
A Constituição brasileira garante-lhes o direito à educação diferenciada, adaptada às línguas e aos costumes Yanomami, e a ONG luxemburguesa Terra dos Homens contribui para um projecto educativo que forma professores indígenas e fornece materiais adaptados àquela comunidade, que ronda as 26 mil pessoas, segundo dados da Secoya.
"A questão indígena é uma questão espinhosa, e apesar de a Constituição brasileira garantir direitos aos povos autóctones, na prática eles não são respeitados", denunciou Mauro de Almeida.
Para o responsável do projeto de cooperação com os Yanomami, as tradições dos povos indígenas do Brasil oferecem também "algumas lições que podiam ser aproveitadas pela sociedade ocidental", como o respeito pela natureza e a solidariedade.
"Um Yanomami com quem visitámos uma cidade perguntou-me se nós tínhamos medo uns dos outros, porque estranhou ver casas rodeadas de muros e tanta segurança", recordou Mauro de Almeida, sublinhando que a partilha é um dos valores dos povos indígenas.
Um modo de vida que "não se mede pelo Produto Interno Bruto (PIB), mas pelo FIP (Felicidade Interna Bruta)", como lhe disse um nativo que conheceu no Estado de Roraima.
Nascido em Lisboa, filho de emigrantes angolanos, Mauro de Almeida, de 27 anos, veio para o Luxemburgo com sete, e tem uma paixão pela história dos povos autóctones das antigas colónias portuguesas e pelas migrações entre Angola e o Brasil que resultaram do tráfico negreiro.
"Ando sempre a pesquisar a história da minha própria família para tentar entender a pessoa que sou hoje, e as histórias sobre os povos indígenas de Angola que o meu avô me contava quando eu era pequeno marcaram-me muito", conta o português.
À projecção no Centro Cultural Abadia de Neumünster, na capital luxemburguesa, agendada para 4 de Outubro, segue-se um debate com o sociólogo suíço-brasileiro Silvio Cavuscens, e a organização conseguiu mesmo assegurar a presença de um líder Yanomami.
"Foi difícil, porque ele não tinha bilhete de identidade nem passaporte, mas conseguimos tratar de tudo a tempo, e vai ser a primeira vez que um índio Yanomami vai estar no Luxemburgo", contou Mauro de Almeida.
Carlito Yanomani vai ter de viajar pelo menos três dias de piroga e quase 20 horas de avião até pisar solo luxemburguês, um contraste flagrante com a selva Amazónica.
"Ele é capaz de sentir frio, mas felizmente não estamos no Inverno", antecipou Mauro de Almeida, para quem esta "vai ser uma ocasião única para ouvir o que os Yanomami têm a dizer".