As pinturas e esculturas representam nus femininos associados aos códigos publicitários, o tema central do artista que, em 2012, viu um dos seus quadros arrebatado num leilão da Sotheby's, em Londres, por cerca de 1,7 milhões de dólares (aproximadamente 1,3 milhões de euros).
Nos anos 60 do século passado, as telas de Mel Ramos causaram escândalo e foi "perseguido pelas feministas" mas, hoje, graças a artistas como os fotógrafos Robert Mapplethorpe ou Helmut Newton, o seu trabalho "parece muito tímido" e, "quando comparado com Jeff Koons, mais parece Walt Disney", disse à Lusa o artista, em entrevista por telefone.
"Jeff Koons, por exemplo, coloca-se em cenas eróticas com a antiga mulher, a Cicciolina, algo quase pornográfico. Isso não me interessa de todo", descreveu Mel Ramos, acrescentando que o seu trabalho também "não tem nada a ver com a ideia das 'pin-ups' popularizadas pelos soldados americanos na II Guerra Mundial".
"Há uns anos fui ao Museu do Louvre e vi uma exposição de Veronese e Tintoretto. Eram quadros cheios de nus femininos. Esta longa tradição de pintar nus femininos remonta a muito tempo antes do Renascimento. Sinto-me como um pintor que continua essa tradição. O nu feminino tem sido um tema muito importante na história da arte e é isso que faço", explicou.
As "musas" de Mel Ramos aparecem sempre associadas a um objeto com conotação sexual e em grande escala, como um charuto ("Hav-a-Havana") ou uma garrafa de Ketchup ("Heidi Heinz").
"Tem a ver com a noção, na América, de sexo e de publicidade. Interessa-me a forma como as agências de publicidade usam - ou usavam - o sexo para vender produtos. É uma ideia e uma tradição muito americana. Vejo-me um pouco como tradicional, nesse aspeto", continuou.
O artista teve como "grandes amigos" nomes reconhecidos da Arte Pop, como Roy Lichtenstein e Tom Wesselmann, ou o britânico Allen Jones, ainda vivo, cujo álbum de figuras surge no documentário "Pink Floyd ao vivo em Pompeia".
Mel Ramos garante, em declarações à Lusa, que não retrata a mulher como um objeto sexual mas como "um íman, uma atração" e, acima de tudo, "um fenómeno bonito".
Para Patrice Trigano, o diretor da galeria que acompanha o artista há 15 anos, "foi Mel Ramos quem introduziu o 'kitsch' e a provocação na arte americana nos anos 60" e, por isso, "muitos historiadores da arte veem nele um iniciador de certas novas tendências".
"Warhol é mais trágico", afirma Trigano, lembrando estrelas de cinema como Marilyn Monroe ou Liz Taylor, "que tiveram problemas" e foram retratadas pelo criador da Factory. Quando Warhol "mostra uma garrafa de Coca-Cola", prossegue Trigano, "é uma acusação contra a sociedade de consumo, com um caráter agressivo".
"Em Mel Ramos há uma provocação real", contrapôs o galerista em declarações à Lusa. "As mulheres nuas a cavalo num charuto e as mulheres nuas que saem de uma banana foram algo muito provocador na sociedade americana", exemplificou à Lusa.
Além da provocação à primeira vista, os nus femininos de Mel Ramos evocam muitas obras-primas de outros séculos. É o caso de "Chiquita Banana" - acrescentou Patrice Trigano - "uma mulher nua que emerge de uma banana e que faz lembrar o 'Nascimento de Vénus', de Botticelli, em que a mulher nua saía de uma concha".
No fundo, "para ele o corpo é um ícone" e deve ser "divinizado em atitudes inesperadas, como nos quadros de [François] Boucher ou de Rubens".
Mel Ramos nasceu a 24 de julho de 1935, em Sacramento, na Califórnia, neto de avós originários do Pico, nos Açores. Em criança, falava um pouco de português com a avó, mas lamenta ter esquecido a língua. Hoje vive em Oakland, na Califórnia, e passa três meses por ano em Horta de Sant Joan, na Catalunha, em Espanha.
A sua obra está representada em museus de Nova Iorque (Museu de Arte Moderna, Museu Guggenheim, Whitney Museum), Chicago (Museu de Arte Contemporânea), Los Angeles (Museu de Arte Contemporânea), São Francisco (Museu de Arte Moderna), Washington (Galeria Nacional de Arte), Toronto (Galeria de Arte de Ontário), Paris (Museu Pompidou), Viena (Museu Albertina e Museu de Arte Moderna) e no Museu Coleção Berardo, em Lisboa, entre outros.