Chegou ao FC Porto no início da época 1982/83, vindo de Guimarães com José Maria Pedroto, tendo ficado no clube até 1989/90, onde trabalhou ainda com Artur Jorge e Tomislav Ivic. É um dos percursores da avaliação de jogos em Portugal – chamada a estatística do jogo, à data -, tendo montado o primeiro Gabinete de Inteligência de Treino.

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, José Neto considera que o clássico entre FC Porto e Benfica vem na melhor altura para os ‘dragões’ demonstrarem o seu potencial e assegura que este poderá ser um momento de viragem na crise de resultados que tem assolado dos homens de José Peseiro.

Como analisa o atual estado anímico do plantel de FC Porto?

É um momento de transição em termos de liderança para o FC Porto e as lideranças demoram algum tempo a ser objeto de uma certa constância. Esta modificação estrutural ainda não dá resposta à alta qualidade do novo treinador. A equipa estava traída emocionalmente pelos resultados nefastos, e o FC Porto tem uma cultura de exigência competitiva fortíssima que faz parte dos seus genes. É sempre uma exigência notável e ali não se pode brincar em serviço. [Peseiro] Terá uma tarefa que demorará o seu tempo, mas penso que vai ser concluída com êxito, mais cedo ou mais tarde. O último resultado veio trair um bocadinho a dinâmica da equipa depois de uma vitória concludente fora de casa e sabemos que os jogadores, traídos por resultados negativos, têm alguma dificuldade de concentração, sentem conformismo e, até, sentimentos de conflito, como temos visto. Os estados de ânimo são as causas das derrotas e, até, fomentam a incapacidade de atacar as vitórias.

E o do Benfica?

Quem pensava que o Benfica ia arrancar com as qualidades intactas, com expectativas de vitória, estava enganado. A pré-temporada pesou. Não há milagres. Esta passagem inicial de uma pré-época incomportável em termos de estruturação, onde interessou apenas a vertente económica, passando logo para os jogos a doer, como a Supertaça, foi muito mal pensada. Agora, a equipa está fortíssima e com uma vertente ganhadora.

José Peseiro é a pessoa certa para assumir os destinos do FC Porto?

Conheço bem Peseiro, trabalhei com ele no curso de treinadores, tem elegância de trato e é apoiado numa disponibilidade cordial, para ouvir, refletir e para exigir. Fomos construindo uma grande estima e vamos mantendo uma ligação muito próxima. Ele é um treinador que conhece as exigências do futebol português e tem capacidade para ultrapassar grandes dificuldades.

Sente que o José Peseiro, numa comparação simplista, poderá seguir um percurso na linha de Rui Vitória. Ou seja, poderá estar a ter um início de época algo conturbado, mas fará a equipa atingir uma senda vitoriosa a longo prazo?

Tenho absoluta confiança nisso. Peseiro é a pessoa certa para colocar, com tempo, o FC Porto num percurso mobilizador. É uma pessoa que trabalha ao nível da excelência e com uma grande competência. Podia ter ganho o campeonato no Sporting, mas perdeu tudo num lance. Como já disse, os treinadores que não ganham nada em lado algum chegam ao FC Porto e são campeões. Agora, o tempo vai dar-lhe razão. Os resultados vão ditar o limite de tempo que demorará a recuperar a equipa.

Como antevê o clássico desta sexta-feira?

Será, certamente, um excelente jogo. Chega num momento em que o FC Porto está traído por uma dose de conformismo notável em que os jogadores podem querer mostrar valor. Às vezes, um resultado negativo poderá ser uma campainha que funciona para reabilitar de uma forma acesa a equipa, para ela voltar ao caminho do sucesso.

O FC Porto vem de uma derrota caseira, sente que o FC Porto irá entrar em campo com a vontade de vencer e dar uma grande resposta perante o Benfica, ou os fantasmas do insucesso diante do Arouca ainda estarão muito presentes?

Nós sabemos que o Benfica está a jogar em casa, tem uma dinâmica ganhadora fortíssima e não vai ser fácil. Este é um ‘handicap’ que o FC Porto terá de ultrapassar. Perante as adversidades surgem as oportunidades. Vão ter de transpirar rigor, colocar a energia ao serviço do coletivo, terão de ir ao combate e nada melhor do que um jogo desta natureza para uma equipa demonstrar que tem os elementos precisos para lutar pelo título. É um jogo que vai alertar para o comportamento das competências emocionais da equipa. Uso muito esta frase de Mandela: ‘Mais importante do que ver como se cai é perceber como se levanta’. Este jogo vai ser muito importante para ver se a equipa vai ficar encarcerada pelas circunstâncias ou se a equipa vai entrar num clima de alta potência para lutar até ao fim pelo título.

Acha que o empate do Sporting ‘prejudicou’ o FC Porto, já que o Benfica irá receber os ‘dragões’ com a motivação extra de ser líder do campeonato?

Para o FC Porto, esse resultado foi bom. Veio a confirmar-se que não se pode cuspir para o ar, temos de nos ver ao espelho. Não há vencedores antecipados. O resultado de ontem [n.d.r: empate (0-0) entre Sporting e Rio Ave, segunda-feira, dia 8] acabou por ser um catalisador com efeito de retoma e este resultado e a consequente liderança da Liga poderá ter um efeito negativo para o Benfica, representando um elemento de pressão. Mas quem tiver uma batuta forte, de campeão, e souber viver sobre pressão... O problema do Sporting é que, às vezes, perante as adversidades mais elevadas mostra-se bem, mas perante as formações mais frágeis, não.

Leia aqui a segunda parte da entrevista ao especialista José Neto feita pelo Desporto ao Minuto.