Reagindo à informação hoje divulgada por um consórcio internacional de jornalismo de investigação -- que integra o Expresso e a SIC - sobre várias transações suspeitas da empresária, em particular um esquema de ocultação para desviar 90 milhões de euros da petrolífera estatal Sonangol, a ex-eurodeputada revelou a "cumplicidade" das autoridades portuguesas com esta "roubalheira organizada da cleptocracia que espolia o povo angolano".
"Obviamente que as autoridades [portuguesas] não podem continuar não só cegas, mas coniventes, porque é isso que tem acontecido. Sucessivos governos e governantes, alguns, em particular o Banco de Portugal e a CMVM, autoridades políticas e judiciais deveriam ter atuado", disse Ana Gomes, estendendo as críticas à PGR portuguesa: "Muita desta informação já se sabia, além das minhas denúncias concretas".
As "autoridades portuguesas não podem continuar a ser vistas como cúmplices por omissão", afirmou Ana Gomes.
Para a ex-eurodeputada, as autoridades portuguesas "decidiram não agir porque isto era sancionado pelo Estado e pelos governos portugueses", permitindo a entrada em Portugal de "tanto dinheiro desviado do desenvolvimento que merece e tanto precisa o povo angolano".
"É completamente imoral, a título pessoal ou no quadro de empresas, que portugueses colaborem" na transformação de Portugal numa "lavandaria da criminalidade que rouba Angola", acrescentou.
Nos "cúmplices ativos" que funcionam como "testas de ferro da senhora Isabel dos Santos", Ana Gomes destaca o advogado Mário Leite Silva e Jorge Brito Pereira, este último do "escritório de Proença de Carvalho".
Durante a investigação este domingo divulgada foram identificadas mais de 400 empresas (e respetivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.
As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol, que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o Dubai.
Os dados divulgados indicam quatro portugueses alegadamente envolvidos diretamente nos esquemas financeiros: Paula Oliveira (administradora não-executiva da Nos e diretora de uma empresa offshore no Dubai), Mário Leite da Silva (CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido), o advogado Jorge Brito Pereira e Sarju Raikundalia (administrador financeiro da Sonangol).
A antiga eurodeputada tem feito queixas à justiça portuguesa visando operações financeiras de Isabel dos Santos, estando a mais recente a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, confirmou à Lusa fonte da Procuradoria portuguesa.
Em causa estão os processos sobre a compra da empresa portuguesa Efacec, transferências feitas para o Dubai por parte da Sonangol, e a origem dos fundos para pagar a bancos de direito português relacionados com a joalharia suíça De Grisogno, adquirida com o marido, Sindika Dokolo.
No caso da empresa portuguesa, em causa está a origem dos fundos utilizados na aquisição, com fundos de Malta, com ligações à Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade (ENDE) de Angola.
As transferências da Sonangol, que foi administrada pela empresária, são também objeto de investigações em Angola.