Depois do TC ter forçado o Governo a anular o corte de um dos subsídios aos funcionários públicos, o aumento da carga fiscal surge como consequência inevitável na proposta de Orçamento para o próximo ano. Mas para os fiscalistas, ouvidos pelo jornal Público, há no documento problemas que devem voltar a ser analisados pelo TC.
Um dos problemas, referem os fiscalistas, é o "nível confiscatório" do IRS quando, pela primeira vez desde a sua criação em 1989, o imposto ultrapassará a taxa simbólica de metade do rendimento colectável.
O outro facto que merece atenção, acrescentam os fiscalistas, é o do IRS tender a ser um imposto proporcional a partir de rendimentos relativamente baixos (80 mil euros anuais).
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Casalta Nabais, refere que “a Constituição em norma alguma estabelece qualquer ritmo da progressividade para o IRS”, mas alerta que "o decisivo para o teste da constitucionalidade desse agravamento reside no que se tira e no que se deixa aos contribuintes", isto é, que "não seja um imposto verdadeiramente confiscatório", explica ao jornal.
No mesmo sentido, o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Carlos Santos, considera que o Estado exorbitou das suas funções ao levar a cabo um "confisco" de pensões e levanta a questão analisada noutros países - a da "tributação confiscatória".
"Mesmo que os impostos não se baseiem no princípio do benefício, terá de haver algum equilíbrio entre a receita e o que, em termos gerais, o Estado disponibiliza aos cidadãos, incluindo coesão social e territorial. O aumento é manifestamente desproporcionado e não tem em conta, em muitos casos, a capacidade contributiva”, sublinha António Carlos Santos ao Público.
Também na opinião de Serena Cabrita Neto tributar mais de metade do rendimento "levanta importantes questões sobre a admissibilidade destas medidas à luz dos limites constitucionais à tributação, nomeadamente se olharmos para os princípios da justiça redistributiva e da proporcionalidade".
Para outro ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, do último Governo Guterres, Rogério Fernandes Ferreira, há uma dupla progressividade: a dos escalões de IRS, mas igualmente a das deduções consoante os escalões; introduz-se uma sobretaxa proporcional num imposto progressivo. "São dois impostos sobre o mesmo rendimento", com retenções na fonte diferenciadas e liquidações à parte.