Fernando de Oliveira Baptista, ex-ministro da Agricultura nos IV e V governos provisórios de Vasco Gonçalves (1975), lamentou que o mundo rural esteja hoje "de costas voltadas para a agricultura e para o espaço que o rodeia", sobretudo no Alentejo.
Assiste-se a um "novo fenómeno", ao do Alentejo "cheio de cercas" com o espaço "vedado à sociedade", observou à agência Lusa, defendendo, sem recorrer à expressão reforma agrária, uma "nova relação" com a terra.
A Reforma Agrária arrancou no final de 1974, com as primeiras experiências de ocupação de terras, e ganhou força no ano seguinte, prosseguindo até 1976.
No total, foram ocupados mais de 1,1 milhões de hectares no Alentejo, Setúbal e concelhos dos distritos de Lisboa, Santarém, Faro e Castelo Branco.
"A Reforma Agrária deu-se num certo contexto. Depois, inverteu-se a relação de forças políticas e, além das leis feitas contra ela, foi atropelada politicamente", defendeu Oliveira Baptista, hoje professor catedrático aposentado do Instituto Superior de Agronomia (ISA).
O que não "apaga" o facto de que a Reforma Agrária tenha sido "um momento muito marcante" do 25 de Abril, frisou.
Só que o Alentejo de hoje "caracteriza-se por uma agricultura capitalista, em que grande parte das grandes propriedades vive de subsídios sem contrapartida produtiva e onde a agricultura familiar tem cada vez mais dificuldades", alertou.
"Não podemos viver prisioneiros de meia dúzia de pessoas que detêm a terra e a cerca. Há que estabelecer uma nova relação com o espaço e, tarde ou cedo, a sociedade urbana e rural vai tomar consciência disso", disse.
Quase 40 anos depois, a Reforma Agrária, não isenta de episódios de violência, como a morte de dois trabalhadores agrícolas em Santiago do Escoural (Montemor-o-Novo), mantém-se um assunto sensível.
As apreciações variam consoante o lado da "barricada", seja entre "latifundiários" e trabalhadores agrícolas ou entre partidos políticos.
Até no seio da esquerda não é pacífica. PCP e PS "esgrimem" acusações acerca do papel de cada um em políticas que acabaram por ditar o "fim" do movimento.
"A Reforma Agrária e a liquidação do latifúndio, independentemente do modelo de gestão da terra, constavam dos programas de todos os partidos, com exceção do CDS", disse José Soeiro, interveniente no processo de ocupação de terras e antigo deputado do PCP por Beja.
Só que o PS, no I Governo Constitucional, "encostou-se à direita e os resultados da destruição da Reforma Agrária estão à vista", acusou o comunista, autor do livro "Reforma Agrária: A Revolução no Alentejo".
Visão distinta tem o socialista Capoulas Santos, eurodeputado e antigo ministro da Agricultura de António Guterres (1995 a 2002).
Com a chamada "Lei Barreto", de António Barreto, o Governo de Mário Soares tentou "enquadrar legalmente o processo", mas o executivo "durou muito pouco tempo" (1976-1978) e foi "derrubado por uma união dos comunistas com a direita", levando "ao liquidar definitivo da Reforma Agrária, com os governos da Aliança Democrática (AD)", argumentou Capoulas Santos.
Já para Pedro Lynce, deputado do PSD eleito por Évora e professor emérito do ISA, cujas herdades de família foram ocupadas, o fim do movimento foi ditado por "o modelo coletivista adotado" ser "errado" para Portugal.
"Não guardo rancor da Reforma Agrária, foi feita no espírito de uma certa ideologia, errada e não adaptável a um sistema de mercado aberto nem a Portugal, que tem um clima mediterrânico", afirmou.
Divergências à parte, José Soeiro, Capoulas Santos e Oliveira Baptista invocam os ganhos alcançados com a Reforma Agrária, como a garantia de emprego, melhores salários, horários de trabalho ou equipamentos sociais.
A interrupção do processo é que teve "consequências desastrosas", sobretudo no Alentejo, hoje "desertificado, envelhecido e empobrecido", disse José Soeiro, apologista de "uma nova reforma agrária e não apenas numa lógica de estruturação agrária".
"É preciso usar os subsídios comunitários para apoiar quem quer produzir aquilo de que o país precisa, não a Europa", disse.
Capoulas Santos defende também outra reforma agrária, mas a sua visão "nada tem a ver com coletivizações da terra". Importa sim "conciliar sociedade, produção e respeito pelo ambiente", objetivos plasmados na nova Política Agrícola Comum (PAC), explicou.
É também com este modelo que Pedro Lynce disse concordar: "A questão fundiária e a fobia do latifúndio não são questões da atualidade. A primeira versão da Reforma Agrária não tem lugar no Portugal de hoje. Um modelo baseado no equilíbrio entre produção, ambiente e emprego, isso sim".