A troika está de saída de Portugal. Mas os três anos de governação sob influência do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia continuam a fazer-se sentir na vida e na carteira dos portugueses.
Com vista à flexibilização do mercado de trabalho imposta no memorando de entendimento, o Governo tomou medidas no sentido de reduzir as indemnizações dos trabalhadores em caso de cessação de contrato.
É hoje mais fácil despedir em Portugal?
Na perspetiva da advogada Alice Pereira de Campos, “as empresas que estão em dificuldades continuam a ver-se confrontadas com valores indemnizatórios que não conseguem pagar, sob pena de um desequilíbrio financeiro e de tesouraria ainda maior”.
“Para os trabalhadores mais antigos, não me parece que estas alterações venham fazer grande diferença, porque estes já têm, em relação aos anos passados, assegurado o pagamento de determinado valor de indemnização. Vão, sim, fazer-se sentir nos novos contratos, mas, infelizmente, as empresas estão mais a despedir do que a contratar”, explicou, em entrevista ao Notícias ao Minuto.
Contudo, há uma outra medida que prejudica os trabalhadores mais antigos, que tem a ver com a alteração dos critérios de despedimento em caso de extinção do posto de trabalho. Neste âmbito, a antiguidade passou para segundo plano, dando destaque a aspetos como a avaliação de desempenho, qualificação e onerosidade do vínculo laboral.
“Os trabalhadores com maior antiguidade poderão ser preteridos em relação aos trabalhadores com menor antiguidade, que geralmente representam um custo inferior para a empresa. Isto é dar mote para que trabalhadores mais velhos e com maiores dificuldades em entrar no mercado sejam mais facilmente dispensados”, sublinhou.
Regime português é protecionista em relação aos trabalhadores
A especialista em Direito do Trabalho acredita que “as alterações introduzidas no âmbito do programa de assistência financeira beneficiam mais os empregadores do que os trabalhadores. Mas a verdade é que, em comparação com os países da União Europeia, os trabalhadores portugueses – pelo menos em teoria – têm maior proteção e direitos mais vantajosos”.
A mesma opinião é partilhada pela responsável pela área de Recursos Humanos da empresa Konica Minolta, que entende não se tratar de uma questão de justiça, mas de uma tentativa de uniformizar critérios em relação ao que acontece no resto da Europa. “Despedir, em Portugal, continua a ser muito complicado”, frisou, acrescentando que a solução passa pelas “revogações por mútuo acordo, a forma que as empresas encontram de por fim à relação laboral”, o que nem sempre é desvantajoso para o trabalhador.
“A sensação que tenho é de que os trabalhadores, com receio das insolvências, estão a aceitar fazer acordos revogatórios que lhes garantam o acesso ao subsídio de desemprego e lhes deem alguma compensação. Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”, assinalou Alice Pereira de Campos.
Horas extraordinárias
A par desta alteração, também o valor pago pela prestação de trabalho extraordinário decaiu no período em que a troika esteve em Portugal. Em 2012, o Tribunal Constitucional suspendeu as convenções coletivas durante dois anos, levando a que a retribuição pela prestação de trabalho suplementar se regesse pela lei geral, que contempla remunerações bem inferiores.
Segundo a advogada, a adequação das convenções coletivas à atual situação financeira do país poderá ser uma solução para fazer face a esta discrepância de valores. Contudo, admite tratar-se de um acordo complexo, já que os sindicatos dificilmente estarão dispostos a ceder nesta matéria.
Contratos a termo e estágios profissionais
Como forma de evitar/retardar a vinculação efetiva dos trabalhadores e de poupar recursos financeiros, as empresas recorrem frequentemente a contratos com termo certo e a estágios profissionais ao abrigo do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Na perspetiva de Alice Campos, que exerceu funções na prestigiada sociedade de advogados Uría Menéndez - Proença de Carvalho, em 90% dos casos, trata-se de contratos nulos, já que “os contratos a termo só podem ser celebrados se existir uma necessidade temporária da empresa e os contratos de estágio são contratos de formação. O que se tem feito é adulterar a sua utilização para relações efetivas de trabalho”.
“É tão fácil cometer ilegalidades em Portugal. Ainda há uma grande impunidade, que permite que os empregadores façam uso dessas ferramentas. Os trabalhadores nem pensam na possibilidade de virem a ser contratados como efetivos, que é aquilo que deveria acontecer, porque é a regra geral do Código do Trabalho”, rematou.