É “muito difícil” assumir que seria possível seguir outro caminho do que aquele que o Governo de coligação tomou em 2011, além de “a economia ser um processo experimental”, neste caso, sob intervenção externa, “seria igual o caminho com PSD, CDS ou PS” no poder. A afirmação pertence ao economista e professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), João Duque.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, na véspera do ‘adeus da troika’, afirma que, em parte, o objetivo definido no memorando e que previa uma “alteração de paradigma da economia” tornando-a “menos pública e mais privada, mais de mercado e mais permeável”, foi cumprido, nomeadamente no que diz respeito “às privatizações”, cuja receita final ultrapassou em largos milhões o objetivo inicial (cinco mil milhões”, sublinha João Duque.
Outra lacuna que deteta prende-se com o “equilíbrio das contas públicas”. O Governo “não conseguiu suceder-se bem na redução efetiva e criteriosa da prestação dos serviços do Estado” que “foram abalados na sua qualidade quando deviam sê-lo na quantidade”. O que se fez “foi reduzir salários”, algo que, refere, está associado “à dificuldade acrescida que o Estado tem em despedir” e que só teria sido possível “mexendo um pouco na Constituição”.
Por esta razão, “muitas gorduras [no Estado] permanecerão, mas naquilo que o Governo foi conseguindo fazer, fê-lo”. Exemplo disso, destaca o catedrático, é o caso da indústria farmacêutica. Um setor que o Executivo “atacou seriamente”, reduzindo o volume de receita, “impondo aos médicos a prescrição de acordo com o princípio ativo”, ao mesmo tempo que cortou radicalmente nas margens de lucro, acabando com o negócio. “Isso são gorduras”, advoga.
E agora? Saída limpa é um bom cenário?
Apesar de todos estes percalços e dos “danos colaterais horríveis nos momentos de crise”, como os cortes nas pensões, salários, e aumento do desemprego, João Duque considera que no essencial “está cumprido, chegámos a horas para apanhar o avião, se atropelámos gente pelo caminho, é outro problema”.
A verdade é que, lembra, “estávamos em cima de um chão falso porque a economia não sustentava o Estado que tínhamos. Agora temos uma almofada financeira (15 mil milhões, excluindo o montante consignado à banca que ainda não foi utilizado) que nos permite, pelo menos, ir ao mercado descontraidamente buscar pequenos valores, poder ser seletivos, procurar preços interessantes, sem preocupação”. Mas isso, avisa, “pode acabar a qualquer momento e se tal acontecer vai ser complicado”.
João Duque é, por isso, da opinião de que “uma saída limpa é muito bonita mas não nos deixa confortáveis”. Além disso “a austeridade vai manter-se e até aumentar”, uma vez que “até chegarmos ao ponto de conseguirmos ter um orçamento sustentável pela economia, ainda temos de fazer mais um corte, um ajustamento (cerca de 1.378 milhões)” e, sublinha, “vamos ver se o Tribunal Constitucional não põe em causa algumas medidas”, o que nos faria “regredir mais um pedaço”.
Não é, porém, o caso do aumento do IVA, previsto no Documento de Estratégia Orçamental (DEO) de 23% para 23,25%. Para o professor do ISEG, trata-se de “uma forma diferente de distribuir o mal por todos” e que “terá um impacto marginal na redução do consumo”. “Claro que um cêntimo aqui e outro ali, levam o ordenado mais depressa”, mas com esta medida o que se procura é “tirar o peso de um grupo para se distribuir por mais, nesse sentido é mais justo”, até porque, argumenta, “é preferível tributar o consumo do que rendimentos de necessidade”.
Além disso, prossegue, “a dada altura as medidas recessivas vão estabilizar”. Isso “depende do prazo e do que os portugueses conseguirem fazer em termos de estruturar o seu aparelho produtivo com o investimento”, designadamente estrangeiro e através de “ativos reais. Não para a compra de casa ou bens, mas de ações e obrigações” que permitam “dinamizar e implantar indústria e serviços” em Portugal, que possam depois “ser exportados e deixar cá uma margem”.
João Duque entende, no entanto, que “não há motivos para suspirar de alívio”. A conclusão do programa de ajustamento “é [apenas] a primeira meta. Ainda só saímos de casa dos pais e entramos na universidade, agora temos de tirar o curso, caminhar pelo nosso pé” e para tal, remata, “é preciso juízo”.
Balanço de três anos de intervenção
O fim do programa de ajustamento “dá-me a ideia de um trabalho que se completou com nota positiva. Tenho uma sensação de sair cansado, com o corpo ferido e cheio de mazelas, mas cheguei lá. Podia estar na mesma e não ter chegado. Agora há que, sem estragar [o que foi feito], ir recompondo o corpo para voltar a crescer e repor os níveis de serviço público, satisfação global mas de forma sustentável, não é viver à custa de um renascimento artificial”, comenta João Duque nesta entrevista Notícias ao Minuto.
Grato ao Governo “pela sua persistência” e “às autoridades europeias pelo conforto suficiente para que o mercado acreditasse que a dívida era sustentável”, o professor catedrático do ISEG opta por não entrar em euforias.
Até porque, avisa, “a inflação vai ter de ser reposta a um nível mais alto, as taxas de juro nominais vão ter que subir e o mercado vai previsivelmente discriminar, outra vez, a qualidade do rating”. Pelo que, “é bom que não tenhamos necessidade de voltar a bater à porta de um programa”, até porque, “como já vimos, discutir em situação difícil é terrível”.