Segundo o relatório da Comissão Europeia de análise ao programa de ajustamento português (2011-2014), a que a Lusa teve acesso e que será divulgado hoje, a Comissão Europeia ainda estima que "o défice líquido de medidas 'one-off' específicas atinja os 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014", mas considera que há "riscos" que podem pôr em causa essa meta.
Bruxelas escreve que "não se pode excluir [a possibilidade de haver] receitas mais baixas do que o previsto e despesas de proteção social mais elevadas" e alerta que o segundo orçamento retificativo revê em alta as despesas com pessoal, os consumos intermédios, as transferências sociais e a despesa de investimento, o que indicia "pressões no orçamento que podem ser ainda mais altas do que esperado". Além disso, recorda que o Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre o aumento das contribuições para o subsistema de saúde ADSE, medida que vale 0,2% do PIB em 2014 e que também terá impacto em 2015.
Ainda sobre o défice, a Comissão Europeia afirma que, uma vez que o segundo orçamento retificativo não incluiu quaisquer medidas adicionais, o défice total deste ano "pode subir para 7,5% do PIB com SEC2010 [novo sistema europeu de contas] e 10% do PIB com SEC95", o antigo sistema.
Mas acrescenta que isso dependerá do modo com as autoridades estatísticas contabilizarem algumas operações, como a reclassificação de dívida de empresas públicas, a venda do BPN Crédito e, sobretudo, a resolução do BES e consequente subscrição de capital do Novo Banco pelo Fundo de Resolução bancário. Esta última medida, só por si, poderá ter um efeito de 2,9% do PIB.
O Governo estima que o défice orçamental deste ano atinja 4,8% do PIB em SEC2010, mas garante que ficará nos 4% previstos ao abrigo do anterior regime, que é o que serve de referência para efeitos de cumprimento dos compromissos assumidos com os credores internacionais, uma vez que os outros impactos são motivados por "razões de natureza extraordinária e temporária".
Ainda sobre o ajustamento -- e apesar de as previsões orçamentais apontarem para que, em 2014 e pela primeira vez desde o início da crise, haja um excedente primário de 0,4% do PIB - o relatório refere que hoje o ajustamento "é de qualidade mais baixa do que os planos iniciais" e explica as razões.
Em primeiro lugar, Bruxelas refere que a melhoria do saldo estrutural está agora estimada em apenas 0,5% do PIB. Além disso, "como as medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional não foram substituídas por outras medidas de redução da despesa, agora a estratégia de consolidação assenta menos na compressão da despesa e mais no desempenho previsto das receitas".
Os autores do documento da Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros concluem que "a nova estratégia" implica que as receitas adicionais que decorrem da recuperação económica e das reservas orçamentais "são agora usadas para suportar uma despesa pública mais elevada", alertando que "um dos objetivos do programa na área orçamental, em particular para 2014, era seguir uma consolidação orçamental baseada na [redução] permanente da despesa", o que permitiria que o ajustamento fosse "mais duradouro e conducente ao crescimento económico no médio prazo".
Bruxelas aponta ainda que "a quantidade de medidas discricionárias" subjacentes ao objetivo orçamental deste ano "foi substancialmente reduzida ao longo do tempo: no orçamento inicial, de outubro de 2013, equivaliam a 2,3% do PIB, foram revistas para os 2,1% na última avaliação regular do programa e, "tendo em conta os últimos desenvolvimentos, estima-se agora que o pacote de medidas de consolidação seja de 1,8% do PIB" em 2014.
Por último, a Comissão Europeia acrescenta que esta avaliação ainda considera as medidas 'one-off' do lado da receita, que equivalem a cerca de 0,2% do PIB e "cujos planos de implementação ainda não são concretos nesta fase", referindo-se à transferência dos fundos de saúde dos CTT, às concessões e aos dividendos especiais da venda de reservas excessivas de petróleo.