Livro de Relvas revela que 'troika' queria deixar municípios falirem

A pressão da 'troika' para deixar os municípios em Portugal declararem falência como a cidade norte-americana de Detroit foi ultrapassada com a reforma da administração local, revelam Miguel Relvas e Paulo Júlio, no livro "O Outro Lado da Governação".

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Lusa
21/06/2015 13:00 ‧ 21/06/2015 por Lusa

Economia

Reformas

Segundo os dois ex-governantes do PSD que tutelaram as autarquias, "a 'troika' [Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu] iniciou o acompanhamento do processo pressionando o governo para deixar os municípios portugueses falirem à boa maneira de Detroit", que declarou falência em 2013.

"Esta era a lógica inicial da 'troika' e, em abono da verdade, temos de reconhecer que teve alguns adeptos dentro do próprio Governo", reconhece o ex-ministro Miguel Relvas, num excerto do livro sobre "A reforma da administração local", a que a Lusa teve acesso.

O ex-secretário de Estado da Administração Local e da Reforma Administrativa, Paulo Júlio, acrescenta que a 'troika' viria a render-se à "reforma do poder local como um exemplo de uma visão estratégica que ia muito além de cortes e reduções".

A reforma, posta em marcha após a tomada de posse do executivo da coligação PSD/CDS-PP, em junho de 2011, visou objetivos de longa duração, contra "uma visão de contabilista liberal" das entidades externas, que apontaram "a necessidade das autarquias reduzirem 2% nos recursos humanos e 15% nos cargos dirigentes até 2014".

O executivo de Passos Coelho foi mais longe e, pelas contas do ex-ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, reduziu em média cerca de 10% dos recursos humanos e 30% dos lugares dirigentes.

"O que permite concluir que as autarquias até fizeram mais do que era exigido pelo memorando" de entendimento assinado pelo Governo socialista de José Sócrates, assume Relvas.

O endividamento municipal - com 40 câmaras em situação mais grave - apressou a preparação de uma nova Lei das Finanças Locais e restrições às empresas municipais.

A redução de 1.165 freguesias, das 4.259 então existentes, motivou forte contestação da oposição e dentro do PSD, e ainda é questionada pela Associação Nacional de Freguesias (Anafre).

A agregação de câmaras não avançou, mas a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) viabilizou outras reformas, como o Programa de Apoio à Economia Local, para redução das dívidas a fornecedores.

Paulo Júlio nota à Lusa que "a reforma comportou a modificação de todo o pacote legislativo das autarquias", incluindo a lei dos compromissos e as competências das freguesias, municípios, comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas.

O ex-secretário de Estado frisa que, entre 2011 e 2014, os municípios, apesar de terem menos receitas, "diminuíram a sua dívida em 33%, [correspondente a] mais de 3.100 milhões de euros".

O livro divide-se em duas partes, primeiro com uma visão história e política sobre o poder local, depois com o processo e intervenientes na reforma, revela a Porto Editora.

O falhanço do acordo com o CDS-PP para revisão da lei eleitoral autárquica é também abordado nas 360 páginas.

A obra, com prefácio de José Maria Aznar, antigo presidente do Governo espanhol, será apresentada a 02 de julho pelo ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.

Miguel Relvas, 53 anos, demitiu-se do Governo em abril de 2013, por falta "de condições anímicas", na sequência de polémicas com a licenciatura obtida num ano, na Universidade Lusófona, alegadas ligações ao antigo diretor das "secretas" Jorge Silva Carvalho e de pressões junto de jornalistas.

Paulo Júlio, 49 anos, renunciou ao cargo de secretário de Estado após ser acusado de prevaricação, enquanto presidente da Câmara de Penela, e aguarda pelo resultado do recurso da condenação, em pena suspensa, a dois anos e dois meses de prisão.

O ex-ministro explica que a escolha do secretário de Estado foi óbvia: "Sabia que com ele o processo funcionaria em 'piloto-automático' e poderíamos até entendermo-nos por sinais de fumo porque, além de não haver divergências de fundo entre nós, apoiávamo-nos mutuamente".

 

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