"O futebol tem um ecossistema que não existe nas TIC (tecnologias de informação e comunicação). Tem as academias e miúdos que acreditam que vão ser os melhores do mundo. Qual é o engenheiro que tem a coragem de dizer: "Eu estou destinado à grandeza'", questionou hoje António Câmara.
O presidente da tecnológica YDreams falava no âmbito de um almoço promovido pelo International Club of Portugal com o tema "A revolução não será centralizada - a criação de novas indústrias em Portugal".
Já em declarações à Lusa, António Câmara focou a história do futebol, afirmando que este começou a internacionalizar-se nos anos 50, tendo por isso uma experiência internacional "muito mais vasta do que outras áreas", ao longo da qual os profissionais adquiriam "padrões de qualidade, conhecimento e nível competitivo que hoje em dia permite a Portugal ser um país classificado nos melhores do mundo".
"Nós temos os melhores agentes [de futebol] do mundo e ainda não temos essa área desenvolvida nos outros setores. Estamos a caminhar nesse sentido", disse.
A estes fatores, António Câmara juntou a paixão e a mentalidade vencedora como outros ingredientes reunidos na indústria do futebol, mas continuam a faltar noutras áreas.
"O futebol tem que ser visto como um exemplo, porque se eles num ambiente extremamente competitivo triunfam, isso significa que em muitas outras áreas se estivermos num meio internacional e tivermos paixão e ecossistema também conseguimos", sublinhou.
O presidente da tecnológica dedicou parte das suas palavras ao atual sistema de ensino e deixou mesmo um recado para os futuros responsáveis políticos com a pasta da educação e da ciência: "Têm de facto uma oportunidade imensa, porque com investimentos muito menores do que no passado podem estimular os jovens a serem inventores, antes de serem empreendedores. Acho que é importante estimular no país inteiro para o papel da invenção".
Para tal, acrescentou, o mundo atual já disponibiliza as infraestruturas que podem ser usadas, dando como exemplo, o kickstarter, indiegogo e os sistemas de 'crowdfunding' (financiamento coletivo) "que permitem a qualquer pessoa poder ir para o mundo".
"As pessoas que vão para essas pastas tem de perceber que o mundo mudou e que o sistema educativo tem de ir nessa direção e não no sentido em que nós estamos um pouco viciados, que é o dos testes e dos exames, que retiram as energias à juventude para criar", apontou.
Neste sentido, António Câmara considerou o "raciocínio abdutivo" como "algo extraordinariamente crítico" no ensino, mas também nesse ponto notou: "Ninguém em Portugal, por exemplo, nestas lutas políticas nos disse o que é que quer que o país seja nos próximos quatro a cinco anos".
O empreendedor analisou a investigação e o empreendedorismo europeu, identificando que não só não há pessoas que transfiram o conhecimento para a indústria, como "não há sequer a perceção do sistema" onde se compete, jogando-se "um jogo" do qual se desconhecem as regras e considerou que "isso é evidente também nos debates políticos".
"O que se passa na Europa é que a maior parte dos investigadores não são empreendedores e odeiam empreendedores. Como dizia o diretor de investigação da Siemens, o problema dos investigadores europeus é que nunca venderam limonadas na rua", exemplificou.
Outro exemplo surge também da sua experiência enquanto professor catedrático: "Quando se dá uma aula no MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts], 50% dos nossos estudantes investe na bolsa, em Portugal ninguém investe".
Por isso, lançou ainda um repto, afirmando que se deve olhar agora para trás "e ver o que fez o Sr. Renault, o Sr. Siemens, o Sr. Bayers há cem anos".