"Parece-me que sem os pagamentos do gás e sem cumprir os compromissos, a Ucrânia não pode manter o desconto no preço do gás", disse o porta-voz da russa Gazprom à agência financeira Bloomberg, no seguimento das declarações do ministro da Energia da Rússia, que, de acordo com a agência de notícias russa, afirmou não ver razão para renovar o contrato que prevê a redução no preço que a Ucrânia paga pela energia vinda da Rússia - um acordo negociado em 2013 e que prevê uma redução no preço até março deste ano.
A questão da energia passa, assim, a ser uma das peças em jogo na tensão que tem escalado nos últimos dias e que levou à ocupação da península da Crimeia por tropas russas, depois de o Presidente, Vladimir Putin, ter recebido autorização do Parlamento para o efeito, no fim de semana.
O Governo interino da Ucrânia dificilmente conseguirá honrar os compromissos de pagamento do gás a Moscovo, um fornecedor que é responsável por mais de metade da energia consumida no país, até porque está a tentar negociar um empréstimo de 15 mil milhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional.
A ameaça da Gazprom complica uma situação financeira já de si difícil para o novo governo ucraniano, que tenta evitar que o país caia na bancarrota, e é mais um exemplo da maneira com o Presidente russo usa a política energética para convencer o seu vizinho ocidental, tendo já cortardo duas vezes o fornecimento devido a disputas relacionadas com o pagamento.
Como a Ucrânia tem uma rede de 'pipelines' ainda do tempo soviético que leva mais de metade das exportações russas de gás para a União Europeia, qualquer perturbação na oferta põe a segurança energética da região em risco, escreve a Bloomberg.
O gás "é uma típica manobra da Rússia para pressionar a Ucrânia", considera um analista ouvido pela agência financeira norte-americana, que acrescenta que "na última década o Kremlin usou o gás como arma de pressão política contra as antigas repúblicas soviéticas".
Esta segunda-feira as ações da Gazprom estavam a cair 17% ao início da tarde, a maior queda desde 2008, apesar de os carregamentos de gás da Rússia para a Ucrânia e para a União Europeia não terem sofrido qualquer perturbação.
A Entidade Reguladora do Setor Energético em Portugal disse recentemente à Lusa que a situação de instabilidade política e social na Ucrânia não vai ter reflexos nem no preço nem nos fornecimentos de gás natural a Portugal: "Não é crível que a situação na Ucrânia afete porque o sistema português de energia está na orla do Mediterrâneo e Atlântico; as fontes de gás natural são, por via de gasoduto, a partir de Espanha, proveniente da Argélia, e por via marítima, através de Sines, há contratos de gás com origem na Nigéria".
Portugal, sublinhou à Lusa uma fonte oficial da ERSE, está relativamente imune ao que se passa na Ucrânia em termos energéticos, "e mesmo a Península Ibérica está desligada da fonte Rússia; Espanha recebe muito gás da Argélia, do Qatar, também do Egito, e depois, claro, da Nigéria, um dos grandes fornecedores mundiais", acrescentou a mesma fonte.
"Portugal está relativamente confortável com a situação atual, até porque a pressão da eventual procura seria para o fornecimento de gás natural para produção de energia elétrica, mas a chuva dos últimos tempos fez com que possamos prescindir da produção de gás para usar a água que temos nas nossas barragens, o que reforça a tranquilidade que temos face à situação na Ucrânia", disse.
Sobre uma eventual pressão nos preços, o panorama também é tranquilo: "A acontecer, essa pressão seria sentida no centro da Europa caso houvesse problemas no gasoduto, mas nada nos faz crer que isso vá acontecer", afirmou o responsável na ERSE.
"Não haver mercados totalmente integrados tem coisas más, mas neste caso é uma coisa boa: se as tensões se colocarem numa fonte de aprovisionamento de gás distante da nossa, estamos relativamente protegidos, e até os mercados da Europa central continuam a executar os contratos, porque a Ucrânia não é um produtor, é um ponto de passagem, um importante ponto de escoamento", concluiu.