Numa entrevista por e-mail, pois reside em Portugal há várias décadas, Maria de Lurdes Chantre, autora dos dois primeiros livros sobre a culinária cabo-verdiana entre 1979 e 1995 - prestes a lançar o terceiro -, lembrou que o gosto pela cozinha "está nos genes" das mulheres da sua família, natural do Mindelo, na ilha de São Vicente.
Nascida a 11 de novembro de 1939 (74 anos) precisamente no Mindelo, onde fez os estudos primários, Maria de Lurdes realçou à Lusa que a arte de bem comer continua a distinguir o país, não admirando que a gastronomia desempenhe um papel importante nas relações humanas, onde reside a inevitável "morabeza" das ilhas crioulas.
"A cozinha cabo-verdiana foi temperada bem no fundo da caldeira por dois paladares completamente distintos, provenientes de culturas radicalmente opostas, a portuguesa e a africana, um misto de raças e paladares. A autêntica comida típica é feita em casa e tem sabor a intimidade", definiu.
Maria de Lurdes, cujos estudos secundários foram concluídos no Colégio Académico, em Lisboa, frisou que Cabo Verde está vocacionado para o turismo, pelo que se torna necessário não esquecer que a gastronomia faz parte integrante da cultura cabo-verdiana, espelhada num sem número de pratos e doces.
Desde cedo habituada às reuniões de família e com amigos, a gastrónoma cabo-verdiana lembrou os jantares e saraus realizados em casa dos seus avós maternos em Lisboa, noticiados nos jornais da época, espalhando a "morabeza" do arquipélago.
Os nomes dos "pratos" de sucesso e que considera representativos das ilhas desfilam uns atrás dos outros, com especial destaque para a receita da avó da tradicional "Cachupa", o Caldo de Peixe e Polvo à "Zé do Lino" (guarda da casa que tinha na Baía das Gatas) e o Caldo de Camarão (especialidade da sogra, natural de Santo Antão).
Maria de Lurdes enumera também o Milho em Grão ou "Cachupinha", tradicional nas festas de romaria dos santos populares (Santo António e São João) na Ribeira de Julião (Mindelo), o Cuscus e a comida tradicional do Dia de Cinzas, com as suas variantes - Trutchida com ovos, xerém e peixe seco (ilha de Santiago), Modje (São Nicolau), Djagacida (Brava) ou Gigoti (Fogo).
Na doçaria, elege o Bolo Vicente, os bolos de mel, os pudins de queijo e de café, este oriundo da ilha do Fogo, e ainda os "foguetes", canudos de massa, recheados com doce de ovos e guarnecidos nas extremidades com fios de ovos.
Quanto aos livros de Culinária, e além dos "genes de família", Maria de Lurdes foi também incentivada por nomes grandes das letras cabo-verdianas - António Aurélio Gonçalves, Jorge Barbosa ou Baltazar Lopes da Silva, visitas de casa.
"Regressei ao Mindelo e casei. Como gostamos muito de receber os amigos, eram frequentes as reuniões em nossa casa e os nossos poetas - Aurélio Gonçalves prefaciou o primeiro, «Cozinha de Cabo Verde» - incentivaram-me a recolher as receitas tradicionais do nosso país e a publicar o livro", explicou.
Em 1979, a primeira gastrónoma do arquipélago, condecorada em 2005 pelo Governo local com o 1.º Grau da Medalha de Mérito, publicou então, como livro de autor, "Cozinha de Cabo Verde", cuja quarta edição saiu em 2001 já pela Editorial Presença, exclusivamente consagrada às especialidades da cozinha cabo-verdiana.
Maria de Lurdes Chantre é ainda autora de várias outras obras, como "3.111 Receitas da Cozinha Africana" (Editorial Europa América - 1981), "Comida Saudável para o Coração" (Edição da Fundação Portuguesa de Cardiologia - 1990), "Plantas Medicinais - Recolha da Sabedoria Popular " e "Na Cozinha Cabo-Verdiana (Edição da CERIS - Sociedade Cabo-Verdiana de Cervejas, 1995).