Comentando à agência Lusa o objetivo de uma crónica que assina na última edição da revista Missanga, um suplemento do semanário local Sol do Índico, com o título "Uma não-carta para Afonso", Mia Couto explicou que procurava chamar a atenção dos militantes da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, maior partido da oposição) para "questões de bom senso", como o facto de "em lugar nenhum do mundo" existirem partidos que se servem da guerra para fazerem exigências.
"Parto do princípio que haverá duas Renamos: uma que quer fazer guerra e que não sabe fazer outra coisa e outra que quer fazer política. Portanto, estou a dirigir-me aos que querem fazer política e querem ser um partido político", avançou.
No artigo, Mia Couto começa por citar trechos de uma carta que, juntamente com os escritores moçambicanos Paulina Chiziane e Ungulani Ba Ka Khossa, dirigiu em 2011 ao líder da Renamo, Afonso Dhlakama, numa altura em que este fez "ameaças contra a paz", enfatizando depois a contemporaneidade do documento.
"Poderíamos reeditar esta carta hoje e ela estaria completamente atual. Poderíamos igualmente tê-la publicado em anos anteriores quando o líder da Renamo já tinha ameaçado reacender a guerra", lê-se no artigo, no qual Mia Couto se mostra reticente quanto à capacidade de Dhlakama "colocar os assuntos da paz acima das suas ambições de poder".
"Tudo indica que isso não irá acontecer. E é pena. Porque significa que moçambicanos continuarão a ser mortos num clima de guerra oculta ou declarada", escreve, apontando algumas incongruências da Renamo, que "aceita a Constituição, mas (?) proclama que vai, por via da violência, ´dividir o país ao meio`".
À Lusa, o escritor considerou "um crime" a ameaça de divisão do país que a Renamo fez durante o seu último congresso, decorrido há cerca de duas semanas na cidade da Beira.
"Não é aceitável. Um partido não pode proclamar aquilo que é inconstitucional, estando com assento no parlamento", afirmou, apelando à ala da "Renamo que quer fazer política", para que o faça "no quadro constitucional".
Sobre a atuação do Governo moçambicano no processo negocial, o autor considera que o executivo tem demonstrado "espírito de condescendência e aceitação", apontando a alteração da Lei Eleitoral, exigida pela Renamo, como um exemplo.
No entanto, Mia Couto aponta "alguma falta de coerência" em determinadas decisões do executivo, que levaram, por exemplo, à detenção, há uma semana, do porta-voz do partido da oposição, António Muchanga.
"Não se pode estar a fazer isto [negociar e ceder a exigências] e, ao mesmo tempo, adotarem-se medidas como a prisão de um porta-voz, que nem sequer foi bem explicada. Até agora, ninguém sabe porque é que este homem foi preso", lamentou.
Considerando que o diálogo é a única solução para a crise político-militar que o país vive há mais de um ano, o escritor disse preferir que as eleições de 15 de outubro se realizem, ainda que nessa altura o diferendo não esteja resolvido.
Mas, se o ato eleitoral tiver de ser adiado, sublinhou, que seja com o consentimento dos eleitores moçambicanos.
"Eu gostaria que houvesse eleições. Mas, se não houver, que seja porque se fez um referendo popular. Que não seja uma decisão tomada numa sala fechada e por políticos só", concluiu.