"Nem direito à vida temos". Albinos, histórias de medo

Amuletos da sorte vendidos a preço de ouro. Assim olha a sociedade para os cidadãos com albinismo, num país palco das mais violentas atrocidades. Como vivem os albinos em Moçambique? Fomos à procura da resposta.

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Goreti Pera
07/01/2016 13:30 ‧ 07/01/2016 por Goreti Pera

Mundo

Moçambique

O medo apoderou-se de Malache, grávida de sete meses, quando soube que uma tia tinha dado à luz um filho albino. A condição que se caracteriza pela falta de pigmentação da pele fez com que o marido a rejeitasse, culpando-a.

Os receios acabaram por se revelar fundados. Dois meses volvidos, foi a vez desta moçambicana dar à luz. Também o seu filho nascera com albismo. Aconteceu há 18 anos, num país onde o preconceito vale mais do que a razão.

Em Moçambique, são muitos os mitos em torno dos cidadãos albinos: que têm ligações com o diabo ou poderes curativos, que podem ser usados como amuletos da sorte e que são imortais. As ameaças são constantes e o sentimento é de pânico. Desde que atos motivados por superstições deste tipo começaram a ser criminalizados na Tanzânia, o Norte de Moçambique tornou-se o palco das maiores atrocidades.

Entre mulheres que são violadas por se acreditar que curam o vírus VIH, pessoas raptadas para posterior venda de órgãos - a preços inflacionados pela circustância de serem albinas - há relatos de mortes violentas e de esquartejamento de humanos para venda das partes do corpo no mercado negro.

“Nem direito à vida temos. Desconfiamos de tudo e todos e, no final de cada dia, agradecemos o facto de estarmos vivos”, desabafou, em declarações ao Notícias ao Minuto, Ihidina Mussagy. Além de ser albina, é uma das fundadoras da Associação Amor à Vida, que nasceu precisamente para apoiar os que sofrem deste distúrbio congénito.

Sediada em Maputo e dividida em seis delegações, esta organização foca-se na sensibilização. Através de palestras em hospitais, escolas e zonas suburbanas, os seus elementos tentam desmistificar a doença e reduzir o preconceito. Mas a tarefa não se adivinha fácil.

 

Depois de Edy, veio Celeste, uma bebé albina

A falta de esclarecimento, até por parte dos médicos, não foi um impedimento para Malache. Inconformada com a informação a que poderia ter acesso no seu país, recorreu à internet para chegar ao lado aposto do Atlântico.

Em sites brasileiros, conheceu internautas e encontrou a informação de que precisava para saber lidar com a doença do filho. Viria a ser-lhe mais útil do que o inicialmente previsto, já que, dois anos mais tarde, se tornou mãe de mais uma bebé albina.

"Conhecia albinismo com base em mitos. Não sabia da existência de protetor solar, produto que praticamente não encontrava nas farmácias e tinha de ir comprar à África do Sul. Felizmente, a minha família mais próxima foi sempre recetiva, até porque, na igreja que frequentamos, o pastor é albino", contou ao Notícias ao Minuto.

Quanto aos filhos, acrescentou, tiveram uma "infância muito difícil" devido aos cuidados que a doença requer. "Lembro-me de um dia de calor em que fui à praia com o meu filho que, apanhando-me distraída, tirou a roupa e o chapéu e foi nadar com a família de um amigo. Quando me apercebi era tarde demais. Ficou cheio de bolhas na cara e no corpo e teve de ser internado", recordou.

 

Uma infância feliz, mas oprimida 

A falta de pigmentação na pele de uma pessoa albina impede-a de estar sob o sol ou sequer de usar mangas curtas. O protetor solar e sombreira são fundamentais, assim como cremes cicatrizantes, que devem ser aplicados nas marcas visíveis. Quando não tratadas, evoluem para feridas e podem levar ao cancro da pele.

Ciente de que as necessidades são muitas e de que os recursos são escassos, Margarida Carneiro e Vera Mendes, ambas portuguesas, juntaram-se para a criação de um projeto - a Missão Kanimambo - que, além de sensibilizar para o tema, reúne vestuário, protetores solares e cicatrizantes que posteriormente envia para Moçambique.

"A ideia surgiu quando a Margarida foi com a irmã a Moçambique e conheceu uma criança que não saiu de casa durante anos porque a mãe tinha vergonha de a mostrar à comunidade", contou Vera ao Notícias ao Minuto.

Foi através dela que conhecemos Alda José que, aos 25 anos e a estudar numa universidade em Maputo, recorda uma infância feliz mas condicionada pela genética.

"Tive uma infância maravilhosa. Tinha todos os cuidados até aos seis anos. Os problemas começaram quando comecei a frequentar o ensino primário. Era diferente das outras crianças e, por ter problemas de visão, tinha de me sentar na primeira fila", recordou. Além da pele, também os cabelos e olhos dos albinos são afetados pela falta de pigmentação, o que se traduz em problemas de visão.

"A maior parte dos professores protegia-me, mas sofria de bullying por parte das outras crianças e um professor chegou a atirar-me um pau de giz por ser albina", contou, tendo em mente a situação mais humilhante por que passou, já adulta: "Ia entregar um currículo e a pessoa que me recebeu olhou para mim de cima a baixo e fechou-me a porta na cara".

É contra a discriminação e a ação criminosa que lutam a associação Amor à Vida e a Missão Kanimambo, esta última com autação em Portugal mas com os olhos postos em Moçambique. Porque por trás de cada atrocidade está um preconceito que, ainda que enraizado nas sociedades, pode ser rompido.

 

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