Todos os dias, centenas de jovens do bairro social da Quinta da Fonte, em Loures, sobem o morro junto ao cemitério para chegar ao Agrupamento de Escolas da Apelação, onde, desde o ano passado, estão a ser postos à prova com uma nova forma de ensinar e aprender.
Como os alunos têm diferentes ritmos de aprendizagem, os professores dividiram as matérias das disciplinas em seis níveis e entregaram guiões de tarefas aos estudantes. Os alunos vão estudando e, quando sentem que já dominam um tema, fazem um teste: se tiverem 100% passam de nível, se errarem, voltam aos livros até superar as dificuldades.
Muitas vezes, na sala de aula, estudam matérias diferentes. Trabalham sozinhos ou em pequenos grupos e o professor vai circulando pelas secretárias e tirando as dúvidas individualmente.
"O professor tem muito mais trabalho porque tem de ter a capacidade mental para explicar uma matéria e logo a seguir explicar outra completamente diferente", conta à Lusa Félix Bolaños, o diretor do agrupamento de 474 alunos.
O novo método começou a ser aplicado no passado ano letivo e os resultados finais foram fracos - as notas dos alunos nos exames nacionais colocaram a escola nos últimos lugares dos rankings.
No entanto, os professores acreditam que este ano será melhor e mostram-se determinados em conseguir um futuro melhor para aquelas crianças.
Sete em cada dez alunos da Apelação são apoiados pela Ação Social Escolar (ASE). Além das carências económicas, Bolaños diz que muitos passam "quase a semana inteira sozinhos" sem ver os pais, que estão a trabalhar: "Elas nas limpezas e eles na construção civil", explica.
Muitos não têm um único livro em casa e a maioria dos pais não completou o 7.º ano: "Tenho pais que assinam com impressão digital", exemplifica o diretor. Entre pais ausentes e outros que pouco aprenderam, são raros os que conseguem tirar dúvidas aos filhos.
"São alunos fantásticos, mas têm dificuldades nas aprendizagens e pouco apoio em casa para poder fazer um bom percurso escolar", resume Félix Bolaños.
A maioria dos docentes que chega ao agrupamento é sensível a esta realidade. E, mesmo quando são confrontados com episódios de violência, não conseguem virar costas. "Só há um ou outro que de vez em quando desiste. A maioria fica", garante o diretor.
"Não digo que estes professores sejam melhores do que os outros. Mas uma coisa é certa, é preciso ter perfil para dar aulas aqui", afirma.
Quando Joana Ferreira foi colocada no agrupamento, em 2006, deparou-se com graves problemas de comportamento na sala de aula. No entanto, a professora não conseguiu ir embora quando percebeu que teria outras missões além de ensinar as matérias definidas nos gabinetes do Ministério da Educação.
"Aqui não se é só um professor: É-se professor, psicólogo, assistente social...", conta a docente, garantindo que hoje os alunos já estão mais calmos, mas ainda têm muitas dificuldades de aprendizagem.
Há oito anos na escola, Paula Batista diz que nunca irá "desistir dos alunos", considerando que "já muito fazem eles". A professora de Português do 3.º ciclo acredita que os fracos resultados "não são falta de vontade", mas sim de condições: "Há miúdos que têm muitos problemas lá fora, mas depois chegam aqui e trabalham".
Tentam que os problemas familiares fiquem do lado de fora da escola e na sala de aula esforçam-se por mostrar o que valem. Alguns querem bons resultados escolares para conseguir um emprego e outros, como o Ayrton, para mostrar à "família, ao diretor e aos professores da escola".