Começando por assumir que “agora” que está retirado tem “maior disponibilidade” e continua “atento e interessado na forma como a nossa sociedade vai evoluindo”, D. Januário Torgal Ferreira, bispo emérito das Forças Armadas, volta a apontar o dedo à atuação do Governo em entrevista ao jornal i, publicada na edição deste fim-de-semana.
“Sinto-me cada vez mais livre relativamente ao que me rodeia. Agora não dependo de correntes, de pessoas ou de ordenados. Acredito cada vez mais na liberdade. Não acredito é nas deformações da democracia em que vivemos”, esclarece D. Januário Torgal Ferreira, defendendo que “o grande erro deste Governo é um erro ético, de incapacidade, de tentativa de salvação de uma situação infame criada ao longo de vários anos”.
Confessa que “esperava” mas - pelos vistos enganou-se – “que as pessoas a quem o poder foi entregue por voto popular tivessem aprendido com o passado. Mas a situação a que chegámos é esta: é preciso que fique escrito na história que somos os salvadores de uma dívida”.
“Não tenho má vontade e fico muito satisfeito enquanto português” com “esses indicadores” que mostram que a economia está a recuperar mas, lembra, “também há outros indicadores. Relativamente ao desemprego, por exemplo, é certo que parece haver um recuo nos últimos meses, mas a massa humana de desempregados não sente o peso destes números”.
E este facto resulta, defende, da “má política” que “usa sempre o truque e o embuste”, neste caso, “o silêncio da derrota”. Como? Desde logo, prossegue, porque “o campo estatístico também mostra que, ao mesmo tempo em que há esse crescimento económico tímido e subtil, o desemprego jovem continua a crescer” e “ainda há os números da emigração”.
“E isto é que é triste: que as pessoas que têm todos os dados não os transmitam com toda a liberdade. Se as pessoas disseram que se lixem as eleições”, afirma o bispo emérito, numa clara alusão às declarações do primeiro-ministro Passos Coelho, “porque o que interessa é o bem comum, porque é que não têm essa clareza?”, questiona, dando um exemplo concreto deste “truque”: “Este contributo de solidariedade (a CES), por exemplo, não passa de um imposto, apesar de o Governo não usar a palavra ‘imposto’”.
Neste sentido, considera D. Januário Torgal Ferreira, “estão a corrigir da pior forma, aumentando a desgraça dos mais desgraçados. Estamos a pagar uma dívida que, obviamente, devemos pagar, mas não com custos de aumento da dívida pública e penalizando quem não pode pagar. como os mais pobres e a classe trabalhadora”. “Este Governo tem problemas de consciência gravíssimos (…) em relação aos mais idosos, à divisão de classes, à desconfiança que criou, à penúria, à opressão. Hoje Portugal tem um mundo de gente oprimida, abandonada, revoltada. O Governo precisa de abrir os olhos”, alerta.
Ao jornal i, o bispo emérito afirma ainda que os “cristãos do CDS se sentem muito envergonhados. E os dos outros partidos” com este rumo porque, justifica, “têm sentimentos e valores”. “O ‘irrevogável’ [de Paulo Portas] só demonstrou que a pessoa não tem carisma para vencer uma crise caseira”.
Por tudo isto, e outras críticas mais que tece nesta entrevista, D. Januário Torgal Ferreira é da opinião que os “responsáveis ou coniventes” com certas medidas que estão a ser impostas aos portugueses “não deviam comungar”.