O Plano de Acessibilidade Pedonal foi aprovado pela câmara em dezembro e, na sexta-feira, foi apresentado aos deputados da assembleia municipal. O documento tem levantado críticas de associações de defesa do património e da oposição, que se opõem à limitação da calçada portuguesa a zonas turísticas.
Ao mesmo tempo, um pouco por toda a cidade, começam a surgir projetos que chamam a atenção para a calçada, a importância de a manter e cuidar e de formar calceteiros.
No Beco do Rosendo, a associação Renovar a Mouraria aliou a necessidade de criar emprego com a de melhorar a acessibilidade pedonal.
A presidente da associação, Inês Andrade, conta à agência Lusa que fez uma parceria com a Santa Casa da Misericórdia e com uma empresa de construção civil para formar quatro desempregados na arte de calcetar.
"Juntámos o útil ao agradável. São quatro pessoas excelentes, na associação e mesmo na empresa estamos muito contentes com o trabalho deles. Vamos recomendá-los à junta de freguesia [de Santa Maria Maior] para que sejam eles a fazer os trabalhos de manutenção da calçada e mesmo trabalhos de construção civil", diz.
Com a discussão do Plano de Acessibilidade Pedonal e as críticas que lhe seguiram, Inês Andrade destaca a importância da manutenção e da qualidade da calçada -- antes da sua remoção.
"A calçada pode ser perigosa se não for bem colocada e, se não houver manutenção, pode ficar escorregadia. Bem colocada e mantida terá uma maior durabilidade", admite.
Por outro lado, para melhorar a acessibilidade nas proximidades do Beco, com uma população idosa, vão ser instalados corrimãos (para apoio nas escadarias íngremes do bairro) e uma calha para "bicicletas e carrinhos de bebé".
José António, de 19 anos, vive na Mouraria. Espera que a formação seja útil no futuro, mas lamenta que o Plano de Acessibilidade Pedonal possa limitar o novo trabalho.
"Podia haver mais trabalho, mas com menos calçada vai ser difícil. É pena que noutros países, como Angola e Brasil, se valorize a calçada e aqui não", diz.
Mamadu Dalde e Mamadu Radialo, de 22 e 60 anos, também pretendem trabalhar com calçada em Lisboa. "Há muitas ruas para arranjar. Basta que a câmara e a junta de freguesia queiram", defende José.
Também Patrícia Simões e Tiago Custódio, do projeto neoFOFO, lamentam a falta de formação de novos calceteiros.
Desde o início de dezembro, estes dois jovens têm colocado 'calçada fofa', pequenos cubos de madeira envolvidos em lã colorida, nos espaços vazios dos passeios lisboetas.
"Buracos não faltam", atira Tiago, numa manhã de mais uma 'calcetagem fofa'. Em Benfica, os dois jovens limpam um buraco no passeio. Ali faltavam mais de dez pedras de calçada. Escolhem os seus 'neofofos', desenham um padrão.
"Qual é o objetivo? É para chamar a atenção para os buracos na calçada?", pergunta uma idosa. Patrícia responde que também, mas que principalmente é para "criar sensações".
A jovem afirma que o momento do lançamento do projeto "é coincidência" com o plano municipal, mas admite outros entendimentos: "Gostamos muito de calçada, da calçada fofa, mas mais da calçada portuguesa. Dos seus padrões, desenhos".
Tiago lamenta o estado da calçada e apela a uma maior -- e melhor -- manutenção.
"Percebemos que as pessoas possam cair, que as senhoras fiquem com os saltos presos, os custos... mas a calçada faz parte do nosso património", diz Patrícia.
Padrão de calçada 'fofo' escolhido, é tempo de fixar as peças ao chão com uma argamassa -- uma sugestão feita por um calceteiro profissional via Facebook.
A 'calçada fofa' está em mais de 30 locais de Lisboa. O primeiro 'neofofo' foi calcetado na zona de Benfica. A Estrada de Benfica é uma das primeiras ruas onde a câmara admite remover a calçada portuguesa.