Guineense recorda quartel que ajudou a "cozinhar" a revolução

Parte do antigo quartel português de Bula, nome com que foi batizada a viatura blindada Chaimite mais famosa do 25 de Abril, está em ruínas, mas permanece de pé na memória de um cozinheiro guineense de 77 anos.

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Lusa
13/04/2014 09:01 ‧ 13/04/2014 por Lusa

País

25 Abril

Naquela povoação da Guiné-Bissau, Amadu Djaló é conhecido como Amadu "Quartel", era cozinheiro numa das messes e ainda hoje se entusiasma ao recordar as palavras de Spínola, a boa disposição do capitão Maia ou a alegria que foi o 25 de Abril.

"Só se ouvia 'agora deixamos de morrer'. Os 'tugas' ficaram muito, muito contentes nesse dia", em que as notícias iam chegando pela rádio, recordou à Lusa.

Nada que o cozinheiro não adivinhasse, depois de em 1973, ter ouvido o general António de Spínola dizer, ali no quartel, "que a Guiné-Bissau é para os guineenses".

"Notava-se que já ali havia qualquer coisa", referiu.

Amadu conhecia bem o cenário de que todos queriam fugir: tinha passado quatro anos no mato, ao lado da tropa portuguesa, antes de a fama dos seus petiscos o colocar definitivamente por entre tachos e panelas, paredes meias com oficiais que hoje fazem parte da História de Portugal.

"Eu falava às vezes com o capitão [Salgueiro] Maia, mas só de coisas do dia-a-dia, ele era bem-disposto", recordou.

"De vez em quando, dava-me uns trocos para ir comprar cola", pasta natural para mascar, ainda hoje usual na Guiné-Bissau.

A vida de Amadu era feita numa das zonas mais alegres do quartel.

Na messe havia convívio e a culinária ajudava a matar saudades: "fazia muitos bifes com ovo estrelado e os 'tugas' também gostavam de bacalhau".

Saiu do quartel com as últimas tropas portugueses, em outubro de 1974.

"O PAIGC [Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde] não tinha os ingredientes necessários para continuar a trabalhar na cozinha", disse, enquanto vasculhava documentação da época, que ainda guarda numa pequena caixa.

Os militares guineenses ocuparam o espaço, que depois também abandonaram pouco a pouco e o que resta hoje é um amontoado de ruínas.

Há abrigos subterrâneos e respetivas escadarias cobertos por terra e lixo, paredes prestes a cair e o chão esburacado no meio do que terá sido a antiga parada - com o resto de uns antigos balneários (a placa enferrujada resiste) ali ao lado.

Apenas o edifício junto à entrada principal foi recuperado e transformado há poucos meses na Esquadra de Polícia do Setor de Bula, mantendo na fachada a data de abertura do antigo quartel português: 1957.

"Ao princípio, as pessoas tinham medo do quartel e do arame farpado", contou Amadu, mas o receio foi-se esbatendo à medida que crescia o convívio com os militares portugueses.

Além do mais, "no quartel sempre se serviu sopa às crianças de Bula", sublinhou.

Anos mais tarde, tornar-se-ia num local emblemático e cujo nome ficou na história do 25 de Abril.

Bula foi o nome dado à viatura blindada que transportou o presidente do Conselho, Marcello Caetano, em direção ao exílio, depois de ter apresentado a rendição do regime ao general António de Spínola no quartel do Carmo, em Lisboa, cercado por tropas comandadas por Salgueiro Maia, cerca das 17:00 do dia 25 de abril de 1974.

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