Assim que a Organização Mundial de Saúde (OMS) falou "emergência de saúde pública internacional" em relação ao vírus Zika, pouco importou o resto do aviso – "por causa das microcefalias e outras desordens neurológicas" associadas ao vírus. A coisa é mais assustadora quando se escreve logo de seguida que a última vez que foi acionado este alerta foi com o vírus do Ébola.
Jeremy Farrar, responsável Wellcome Trust, uma organização de investigação biomédica não lucrativa, dizia ao The Guardian antes do comunicado da OMS que o vírus Zika era, “de muitas formas, pior do que a epidemia de Ébola de 2014 e 2015”.
Maria João Alves, investigadora do Instituto Nacional de Saúde, falou com o Notícias ao Minuto e pede calma, pois não se trata de uma nova crise como a do Ébola. Aliás, não tem rigorosamente nada a ver. "O vírus [Zika] é autolimitado, ou seja, a infeção passa por si, os sintomas são ligeiros. A única coisa que pôs o Zika na ordem do dia foi a probabilidade, ainda não confirmada, dos casos de microcefalia no Brasil estarem associados ao vírus", esclarece a profissional.
"A microcefalia pode ter várias origens"
Estas desordens neurológicas registadas no Brasil são, de facto, o ponto nevrálgico desta crise. As microcefalias em bebés e, conforme é agora divulgado, a síndrome de Guillain-Barré, uma rara doença neurológica, são o que preocupa as autoridades de saúde. Mas a relação entre o vírus e estas anomalias neurológicas ainda não foi provada.
"Há uma coincidência temporal mas é preciso fazer mesmo muito trabalho para confirmar que esses casos estão associados", explica Maria João Alves, que acrescenta que o número elevado de casos de microcefalia também é fruto do aumento exponencial de infeções, não se sabendo que outros fatores se podem cruzar, afinal "a microcefalia pode ter várias origens".
Vejamos o caso do surto do vírus Zika na Polinésia francesa, entre 2013 e 2014: "Em 8 mil casos [de infeções de vírus Zika] foram diagnosticados 70 casos com sintomas neurológicos mais graves e na altura associaram isso ao facto de estar a decorrer ao mesmo tempo o surto de dengue. A coexistência do dengue com o Zika poderia levar a que houvesse sintomatologia mais grave", indicou a investigadora.
Não se falou, na altura, na Polinésia Francesa, em casos de microcefalia, embora o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças tenha já dado indicações de pelo menos 17 casos de má-formação do sistema nervoso central registados entre 2014 e este ano na mesma região. A ligação entre estas desordens e o vírus Zika, essa, continua em investigação.
Vírus Zika "provoca uma sintomatologia muito ligeira" e passa sozinho
Afinal de contas, sem falar das implicações neurológicas, cuja associação ainda carece de prova efetiva, o que faz o vírus Zika ao ser humano? "Não havia casos fatais antes de estarem associados à microcefalia. É um vírus que provoca uma sintomatologia muito ligeira, febre não muito alta, erupção cutânea, algumas dores musculares, dores de cabeça e que passa até cinco dias depois do início dos sintomas", explica a profissional.
Ou seja, o vírus passa sozinho, mesmo que não seja administrada uma medicação específica. Se se "tomar paracetamol para as dores de cabeça ou um anti-histamínico para as erupções cutâneas", o vírus passa.
E uma vacina? A investigadora diz que se chegará a uma, pois o vírus tem apenas uma estirpe, ao contrário da dengue, por exemplo, que tem quatro variantes diferentes. "Já há gente a trabalhar nisso, vai ser fácil mas não é fácil pô-la no mercado porque isso é um processo que demora dois a três anos", avisou.
Em Portugal não existe o mosquito transmissor do vírus
Em Portugal, foram noticiados seis casos de infeções do vírus. Mas são seis casos de infeções de importação, ou seja, cinco vieram do Brasil e uma da Colômbia. E não poderia ser de outra forma, uma vez que Portugal Continental não tem o mosquito vetor ('Aedes Aegypti'). Todos os casos estão controlados e ultrapassados. Não havia nenhuma grávida.
Esse mosquito transmissor do vírus – 'Aedes Aegypti', também responsável pela transmissão da dengue, da febre-amarela e da doença tropical Chikungunya - só existe na Madeira, onde a própria investigadora trabalha para evitar as infeções.
"Foi esse mosquito que fez com que houvesse um surto de dengue na Madeira em 2012. Atualmente, já não há dengue na Madeira e assim como se eliminou a dengue, também se evitará o Zika", vaticina Maria João Alves, referindo-se aos mecanismos de precaução que estão há muito implementados junto dos próprios cidadãos.