A eutanásia está na ordem do dia e promete vir a alimentar acesos debates nos próximos tempos. É um tema fraturante que mobiliza e divide a opinião pública. O manifesto 'Direito a morrer com dignidade', apresentado há uma semana, acendeu o rastilho a uma ampla discussão. Eutanásia em Portugal: Sim ou não?
Para o bastonário da Ordem dos Médicos esta é uma “decisão de grande complexidade que está legislada em poucos países”, razão pela qual “deve ser amplamente discutida” em Portugal.
E essa discussão, disse José Manuel Silva ao Notícias ao Minuto, deve ser feita no espaço público e com recurso a um referendo.
“A melhor maneira é promover o referendo”, defendeu, até porque o “manifesto apresentado fala apenas em aliviar o sofrimento, mas é vago e perigoso porque não tem uma fronteira definida”.
“Há muitas formas de sofrimento. Isso permite que pessoas que estão em sofrimento e não têm doenças terminais queiram ser submetidas à eutanásia. Em vez de ajudarmos as pessoas em sofrimento estamos a propiciar uma forma mais fácil de morrer. Isto são questões complexas e individuais que devem ser submetidas a referendo, até porque não se trata de uma questão política ou religiosa, mas sim de uma questão ética ”, indicou.
Assim, o bastonário questiona: “O manifesto apresentado mostra que muita gente é a favor da morte com dignidade. Mas qual é o significado que atribuímos à ‘morte com dignidade’?”.
A ‘morte com dignidade’ é, de resto, o fundamento no qual Francisco George, diretor da Direção-Geral de Saúde (DGS), se baseou para ter assinado o manifesto.
“Subscrevi este manifesto em nome da promoção da dignidade e da oportunidade em direitos humanos. O direito à eutanásia é uma questão de dignidade e de direitos humanos e as pessoas têm o direito a optar pela morte assistida”, disse ao Notícias ao Minuto o responsável que garante ter assinado o manifesto “enquanto cidadão e não enquanto diretor da DGS”.
Mas se José Manuel Silva se mostra a favor de um referendo e contra a despenalização da morte assistida, Francisco George é totalmente a favor da prática. No entanto, ambos concordam num aspeto: em caso de aprovação terá de ser levada a cabo uma alteração ao Juramento de Hipócrates.
“Em termos médicos seria necessário uma alteração do Código Deontológico e do Juramento de Hipócrates porque [a eutanásia] colide com a ética médica”, referiu o bastonário.
Mas para Francisco George esse não será um problema. “O Juramento de Hipócrates não é um juramento absoluto”, começou por dizer, lembrando que o mesmo “tem sido revisto e pode ser novamente revisto tendo em conta o progresso da Humanidade”.
O Código de Ética, lembrou o bastonário, “proíbe a eutanásia” e a formação que os médicos recebem “baseia-se em salvar vidas”, por isso, uma despenalização da morte assistida “traria situações novas e complexas dentro da própria classe médica”.
Algo com que Francisco George concorda, mas que desdramatiza, lembrando que “os médicos têm direito a recusar-se a levar a cabo o procedimento pois têm o direito à objeção de consciência”.
Já para o bastonário da Ordem dos Médicos, a discussão sobre o tema não deve passar pelo Parlamento e “nem se compreenderia se assim fosse”. “Não pode ser uma questão politizada, todas as entidades devem integrar este debate”, defendeu.
Até porque, lembrou, é “muito mais barato induzir ou facilitar a eutanásia” do que proporcionar um tratamento, mas “não é esse o caminho que queremos seguir”.
Nesta senda, José Manuel Silva refere que é importante não se cair no erro de “facilitar a morte das pessoas”.
“Em muitos dos casos as pessoas só desejam morrer porque não querem ser um fardo para a sociedade, para a família e aí, a nossa sociedade falhou”, explicou.
“Este é um tema que não é urgente e que deve ser cuidadosamente discutido. Há pessoas que não têm noção que isto é matar ativamente quando há meios para tratar e evitar o sofrimento”, concluiu, referindo-se aos cuidados paliativos.