A igualdade de género no mercado de trabalho

"Embora já muito se tenha progredido, continua a ser um enorme desafio inverter a frondosa pirâmide da desigualdade e a tendência da chefia/direção masculina". Neste Dia da Mulher, fique com o artigo de opinião da advogada Rita Canas da Silva* sobre a igualdade de género no mercado de trabalho.

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Rita Canas da Silva*
08/03/2016 10:40 ‧ 08/03/2016 por Rita Canas da Silva*

País

Artigo de Opinião

Enquanto advogada de Direito do Trabalho, desde cedo tive presente a existência de práticas indevidas, ora mais flagrantes, ora encapotadas, em razão do sexo: recrutamentos discriminatórios, entraves à progressão na carreira, penalizações remuneratórias nem sempre evidentes e cessações contratuais infundadas. Mais recentemente, tenho dedicado particular atenção à dimensão remuneratória, atenta à frequência com que as organizações tendem a adotar práticas aparentemente neutras, mas que traduzem um prejuízo remuneratório efetivo para trabalhadores que exercem direitos no âmbito da parentalidade. Veja-se, a este propósito, o registo de algumas das iniciativas jurídicas recentemente promovidas aqui e aqui. A disparidade salarial não é fácil de abordar porque encobre práticas discriminatórias não raras vezes difíceis de diagnosticar. É, no entanto, um tema prioritário, sendo especialmente ilustrativa a apresentação Equal Pay: It’s Time to Close the Gap, difundida, em 2015, pela Comissão Europeia.

Por se tratar de um tema com um impacto muito significativo na gestão diária das empresas, tenho procurado contribuir no plano jurídico para que as organizações repensem as suas políticas de governance e de recursos humanos, de modo a criar soluções, em simultâneo, eficientes e igualitárias.

Neste percurso, constato satisfatoriamente a multiplicação de programas de mentoring e empowerment dirigidos às mulheres: instrumentos de estímulo, de formação e de capacitação, que diagnosticam fragilidades, antecipam dificuldades e divulgam técnicas de liderança no feminino, potenciando a progressão e o sucesso profissionais, convocando, não raras vezes, testemunhos verdadeiramente inspiradores. Todas estas iniciativas são, naturalmente, muito valiosas e devem ser incentivadas: embora já muito se tenha progredido, continua a ser um enorme desafio inverter a frondosa pirâmide da desigualdade e a tendência da chefia/direção masculina. A este propósito, tem especial interesse conhecer o estudo recentemente publicado pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento:Women, Business and the Law 2016.

Noutro plano, surgem também estratégias que procuram assegurar à mulher um equilíbrio mais satisfatório do seu papel de mãe e cuidadora com desafios profissionais exigentes – as medidas de conciliação da vida privada e da vida profissional muito têm feito pela causa, sobretudo nas empresas que assumem a igualdade de género como objetivo estratégico e que concebem alternativas que vão muito além do mínimo legal. Estas soluções são fundamentais porque contrariam o registo de muitas mulheres que, após um percurso profissional extraordinário, acabam, a dada altura – sobretudo após a maternidade –, por abandonar projetos desafiantes e exigentes, numa lógica de “tudo ou nada”. A este propósito cumpre assinalar o importante evento promovido pela Comissão para Igualdade no Trabalho e no Emprego, no passado dia 26 de janeiro, e no qual trinte e nove empresas assumiram o compromisso público de implementação de medidas várias para a promoção da igualdade de género nas respetivas organizações. São iniciativas relevantes, porque monitorizadas e porque invertem preconceitos instalados.

Importa, no entanto, questionar igualmente o que se tem feito pelos trabalhadores homens, no âmbito de toda esta discussão. Não me refiro às profissões em que o sexo masculino é sub-representado e em que há que introduzir mecanismos que contrariem essa tendência. Antes pergunto o que tem sido feito pelo trabalhador que deseja uma participação mais igualitária na vida familiar e doméstica, mas que não supera o preconceito profissional que uma tal opção ainda acarreta. Diria que ao estigma da 'supermulher' que a tudo tem de acudir – no plano pessoal e profissional – sobrepõe-se o estigma tão ou mais grave do trabalhador que afetaria satisfatoriamente mais tempo à esfera familiar, mas de quem se espera dedicação profissional exclusiva: muitas organizações partem ainda do pressuposto de que o homem conta certamente com apoio doméstico adequado às “contingências” familiares, sendo expectável que contorne incisivamente as ineficiências decorrentes de uma disponibilidade repartida.

E nada disto contribui para o objetivo da igualdade de género: para além do lema “as mulheres são capazes” – que, por ser uma evidência, dispenso reiterar –, é imperioso dispor de mecanismos que incentivem os homens a reivindicar um papel mais ativo no plano da parentalidade, do cuidado doméstico e do apoio alargado à família. E isso exige renovar mentalidades organizacionais tão ou mais desafiantes do que as que moldam a emancipação no feminino – germinando mudanças que vão muito além das medidas legais até hoje implementadas, como as decorrentes, em 2015, da publicação da Lei n.º 120/2015, de 1 de setembro, no que respeita à tímida extensão da licença parental exclusiva do pai ou à possibilidade do gozo simultâneo, pelo pai e pela mãe, da licença parental inicial.

Quando os homens assumirem, sem preconceitos, uma posição idêntica à das mulheres no plano familiar, a igualdade de género no trabalho terá superado um enorme obstáculo – nesse mesmo sentido, revisite-se o relatório da OCDE de Dezembro de 2014 Unpaid Care Work: The Missing Link in the Analysis of Gender Gaps in Labour Outcomes.

Em suma: se muito se tem feito pelo reconhecimento do papel crucial das mulheres no mercado de trabalho, há que dar agora merecido enfoque ao contributo fundamental dos homens na esfera pessoal e familiar. Outra leitura apenas é possível caso se entenda que a igualdade laboral prescinde de uma divisão equitativa dos tempos afetos à gestão familiar – apenas viável numa ótica iludida da realidade.

*Advogada corresponsável pelo Departamento de Laboral da Sérvulo & Associados, Sociedade de Advogados  

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