O mote para a entrevista foi o livro ‘A Confiança no Mundo’, sobre a tortura na democracia, que, por sinal, resulta da sua tese de mestrado na escola de Sciences Po, em Paris. Mas o antigo primeiro-ministro, José Sócrates, vai muito mais além nos temas abordados, naquela que parece ter sido sobretudo uma conversa informal com Clara Ferreira Alves.
Aparentemente, as respostas calculadas ficaram esquecidas, remetidas para o tempo em que assumia funções públicas, e Sócrates revela uma faceta que poucos, provavelmente, conheceriam.
Das mágoas, às pedras no sapato que teimaram em não se deixaram sacudir, o ex-governante comenta: “Recuperei. Ostento com orgulho as marcas da batalha”.
E não poupa a críticas os históricos do partido pelo qual milita. “Aqueles gajos que se achavam a aristocracia pensavam que eu tinha que ir lá pedir, pedir se podia, pedir autorizações. E eu pensei, raios vos partam, vou vencer-vos a todos! E foi o que fiz”.
Assumido “adepto da moderação” aponta baterias “aos idiotas que andaram apaixonados por coisas que tiveram que negar”, e a quem “faz muita impressão um tipo que sempre foi a merda de um moderado!”, assinala o ex-governante e concretiza: “Sempre achei que o compromisso é a base da democracia”.
Sobre o seu antecessor num Executivo socialista, António Guterres, Sócrates assinala que foi seu “defensor leal”, acrescentando: “Só não faço a patifaria de ter comportamentos oportunistas. Não me colo quando estão em alta e não abandono quando estão em baixa”.
Por outro lado, questionado sobre a “tareia” de que tem sido alvo privilegiado nos últimos anos, nomeadamente no que concerne aos rumores que foram dando conta do facto de alegadamente ser homossexual, o ex-chefe de Governo é peremptório ao sinalizar uma justificação para o ‘fenómeno’: “Sou o chefe democrático que a direita sempre quis ter”, afirma.
Para o partidário ‘rosa’, falar sobre a Direita, é falar “de pistoleiros”. “Fui alvo de uma perseguição política e pessoal de uma Direita hipócrita que obrigou o anterior Governo, o meu, a pedir ajuda para agora vir queixar-se daquilo que eles mesmos fizeram. Fazem o mal e a caramunha”, acusa.
“Os filhos da mãe da direita em Portugal deram cabo de uma solução [PEC4] apenas para ganharem eleições”, prossegue Sócrates, certificando que a assinatura do memorando de entendimento lhe “custou os olhos da cara”. “Assinei. O que é que podia fazer? Já ninguém lá fora dava nada por nós”.
O político reporta-se ao ministro das Finanças alemão, Schäuble, como “aquele estupor”. “Todos os dias esse filho da mãe punha notícias nos jornais contra nós. E ligávamos para o gabinete da Merkel, e ela com quem me dava bem, dizia que vinha do gabinete dele”.
Amargura? “Fiquei com a minha pedra no sapato”, refere Sócrates.
E o que significa a ética política para o antigo secretário-geral do PS? “A coragem do político e da democracia está em impor a si próprio linhas vermelhas”, responde, assegurando nunca as ter ultrapassado. “É preciso ter a bravura de não cometer actos horríveis”, destaca a esse propósito.
Outros rumores têm surgido, entretanto, acerca de uma provável candidatura sua a Belém. Confrontado com essa possibilidade o socialista limita-se a realçar: “Tenho uma boa vida. Se voltei ao comentário político é porque me quis defender, estava a ser atacado sem defesa”, diz, sublinhando ainda que não sente qualquer "inclinação por voltar a depender do voto popular”.