"Nós, os velhos, devemos dar o exemplo: não sairmos de casa, recorrermos sistematicamente aos cuidados que nos são indicados. E mais, quando chegarmos ao hospital, se for necessário, oferecermos o nosso ventilador ao homem que tem mulher e filhos", apelou Ramalho Eanes em entrevista à RTP, esta quarta-feira, sobre a pandemia de Covid-19 que colocou o país (e o meio mundo) em estado de emergência.
Sublinhando que a situação de crise "afeta todos por igual, velhos e novos", o antigo Presidente da República lembrou que "esta crise não vai acabar agora", tendo em conta que "é necessário uma vacina", que levará o seu tempo a ser feita e depois aplicada.
"Mesmo que a vacina apareça, nós - e eu falo porque sou velho, tenho 85 anos - devemos pensar que a nossa situação é igual à dos outros", afirmou o general, defendendo, aliás, que "se alguma coisa há é a obrigação de dizer aos outros que isto já aconteceu, que se ultrapassou, que vai ser ultrapassada".
Questionado por Fátima Campos Ferreira sobre o que dizer ao povo neste momento, em que a crise pandémica ainda está no começo, e que arrastará consigo uma crise económica, o ex- Presidente da República disse: "Acho que lhe devemos dizer [ao povo português] que o medo é razoável, mas que é da nossa obrigação ultrapassá-lo". E enfatizou que "temos de pensar menos no eu e mais no nós". "De tal maneira que todos aqueles que carecem de apoio, tenham o nosso apoio, a nossa solidariedade e a nossa corresponsabilidade", defendeu.
Na ótica do general, a globalização "trouxe uma interdependência sentida, mas não trouxe uma solidariedade". E é essa solidariedade que é "indispensável" neste momento, sublinhou, sinalizando que esta crise demonstra que "nenhum país por si consegue resolver os problemas". E recordou que "a China - poderosa - no início da crise recebeu apoio da França e da própria Itália".
"Só pensando com humildade, com corresponsabilidade, e pensando que nós e só nós podemos responder à crise, encontraremos soluções. O eu, o meu interesse, o meu idealismo, estão ultrapassados", defendeu.
Confrontado com a realidade de, devido à pandemia, as cerimónias fúnebres estarem a ser limitadas, Ramalho Eanes disse que "esses momentos são inqualificáveis". "Aquilo que se sente, não se pode expressar verbalmente, mas é possível, de alguma maneira, ultrapassá-los quando a solidariedade é manifesta, quando a ligação entre os homens é correcta e quando se pensa que, afinal, a vida é uma passagem e que nós não podemos evitar que a morte surja".
Sobre a impossibilidade de fazer o luto, declarou: "O que penso é que o amor está em todo o lado, em todas as alturas e em todas as situações. E aquele que vai morrer, se sentir esse amor, sente-se mais apoiado".
O novo coronavírus responsável pela pandemia da Covid-19 foi detetado na China em dezembro de 2019 e já infetou mais de 905 mil pessoas em todo o mundo, das quais quase 46 mil morreram. Ainda nesse universo de doentes, pelo menos 176.500 recuperaram.
Em Portugal, onde os primeiros casos confirmados foram registados a 2 de março, o último balanço da Direção-Geral da Saúde indicava 8.251 infeções confirmadas. Desse universo de doentes, 187 morreram, 726 estão internados em hospitais, 43 recuperaram e os restantes convalescem em casa ou noutras instituições.
Esta quinta-feira, recorde-se, o Parlamento vota a renovação do estado de emergência proposta pelo Presidente da República e aceite pelo Governo. A seguir, ainda esta quinta-feira, o Conselho de Ministros reúne-se para redifinir as regras.