Quando em Fevereiro de 2011, José Sócrates anunciou que se demitia, na sequência da reprovação do PEC IV, o país caiu, definitivamente, no abismo. Na oposição, já na liderança dos sociais-democratas, Passos Coelho movimentava-se e preparava-se para uma quase certa e mais do que prevista subida ao poder.
Durante a campanha eleitoral, que havia de o eleger, em junho, como primeiro-ministro, prometeu um Portugal diferente, com menos impostos e mais iniciativa privada. Assinou de cruz o programa de assistência financeira proposto pela troika e, ao lado de Portas e do Partido Socialista, subscreveu o memorando que ditou a política económica e muitos dos aspetos da governação política do país durante os últimos três anos.
Depois de eleito, mandatado pelo Presidente da República Cavaco Silva para apresentar o seu Executivo, Passos surpreendeu o país ao cortar radicalmente no número de ministérios, trazendo para o Governo caras pouco conhecidas da política nacional.
Menos ministérios, menos peso do Estado?
No entender da docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Paula Espírito Santo, “[a escolha] naquele momento tratou-se da conceção de uma estratégia que se demarcasse de uma imagem de que o primeiro-ministro se queria distanciar. Menos ministérios significavam menos ‘peso’ do Estado. Tratou-se, a meu ver, sobretudo de uma medida de estratégia mais político-partidária do que orçamental”.
A pouco e pouco, depois de o Governo se instalar, começaram a ser conhecidas novas realidades quanto ao panorama económico do país. Entre ‘buracos’ e ‘buraquinhos’, a Madeira de Alberto João Jardim passou a contar para as contas, agravando o défice público em alguns milhares de milhões. A relação entre o líder continental e o insular conheceu aí um dos seus episódios mais crispados, com a região madeirense a ficar também sob assistência financeira. O buraco na madeira de Jardim tornava-se a primeira nódoa (herdada) na governação Passista.
“Todos os Governos, no pós-25 de Abril, têm sentido dificuldades em resolver o défice orçamental regional, sendo que todos os anos as contas públicas são aprovadas, com conhecimento da Assembleia da República e dos sucessivos Governos da República. Como tal, o problema das contas públicas madeirenses resulta de falta de coragem política dos diversos governos e legislaturas, que permitiram o afundamento de um fosso financeiro difícil de admitir e de gerir por parte do sistema político português”, refere a estudiosa a este propósito.
Seguir-se-ia, vários meses depois, um dos episódios mais difíceis de explicar por parte do Governo de coligação PSD-CDS. Discordante das medidas propostas pelo Governo e da nomeação de Maria Luís Albuquerque para tutelar as Finanças portuguesas, Paulo Portas apresentaria por escrito, ao primeiro-ministro e aos portugueses, a sua ‘irrevogável’ demissão. Ciente de que seria necessário manter o líder centrista no Governo, sob pena de perder o controlo do país, Passos rejeitava o pedido de Portas.
O povo saiu à rua 'nuns dias assim'
O país mergulhava novamente no abismo, com as agências de rating a penalizarem ferozmente o erro inexplicável do Executivo português. Mas antes, a 15 de setembro de 2012, o povo sairia à rua para penalizar o ‘desgoverno’ luso e as políticas da troika, mostrando, como só se encontra paralelo na história no célebre 1 de maio de 74, o seu descontentamento nas ruas.
“A manutenção do líder centrista permitiu a continuidade da viabilização do Governo atual. CDS/PP constitui uma base de viabilização do Governo”, refere a docente do Instituto de Ciências Sociais e Políticas, acrescentando, quanto às manifestações, que “o seu impacto tem um papel, sobretudo, de pressão sobre as políticas escolhidas e implementadas. Os seus efeitos são, sobretudo, indiretos e de médio prazo sobre a política governativa. As manifestações funcionam como um reflexo permanente dos impactos que a política tem no quotidiano [dos eleitores]. Não derrubam governos, particularmente, em momentos de maiorias parlamentares, mas contribuem para o desgaste político da maioria que governa”, explica.
Mas Pedro Passos Coelho resistia às saídas do ministro das Finanças Vítor Gaspar e ao pedido de demissão do seu colega de coligação e, perante todo país, apresentava-se à comunicação social confiante, afirmando a bom som: “Não me demito, não abandono o meu país”. Mais tarde ficaria provado que seria mesmo ele a levar o país até ao fim da troika e, por essa mesma razão, questionámos novamente a investigadora Paula Espírito Santo a este propósito.
O "sentido de missão suprema" de Passos
“O perfil de Passos Coelho é o de um líder que tem sobrevivido a uma das mais fortes ondas de pressão pública e mantido, dentro do possível, uma atitude de resistência a constantes ataques políticos. Passos Coelho procura demonstrar solidez nas suas opções políticas, as quais se justificam, a seu ver, por um sentido de missão suprema, de Estado, a qual justifica os sacrifícios que dirige e personifica”, explica perentória.
Porém, até ao final deste período que termina amanhã, muitos foram os erros e os ataques, internos e externos. Entre os que contestaram, contaram-se sempre vozes do partido do Governo, fosse pelo seu descontentamento para com as figuras mais polémicas escolhidas por Passos para o Executivo, casos de Miguel Relvas, Franquelim Alves ou mesmo Rui Machete, acompanhadas de perto, na opinião da estudiosa, “por um espaço público e mediático atento e pouco tolerante em termos de ‘deslizes’ democráticos” e agravadas “pela impopularidade [de algumas] das medidas políticas tomadas pelo Executivo”.
Na oposição, o Governo enfrentava um Partido Socialista contestatário, mas acusado de não ter proposta política para o país. Mas não só. Mais à esquerda, apesar do abandono de Louçã, e agora sob a liderança bicéfala de Catarina Martins e João Semedo, mas também sob a mira da CDU de Jerónimo de Sousa, Passos impunha o programa da troika, fechando, sucessivamente, as portas das avaliações trimestrais obrigatórias do FMI.
Agora com o programa finalizado, anunciada uma ‘saída limpa’ à portuguesa, estará o Governo numa posição política mais fortalecida? As dúvidas serão, de certa forma, respondidas já nas próximas eleições europeias, mas não será provavelmente possível medir um real impacto sobre a ‘popularidade eleitoral’ do Governo, pois é esperada uma forte abstenção.
“Quanto aos próximos resultados eleitorais, a nível europeu, as sondagens constituem um indicador, sendo provável que haja um diferencial favorável ao PS. A distância de resultados entre o PSD e as diversas forças políticas será fundamental para entender o espaço e valor político do PSD” no atual contexto político e económico do país”, refere Paula Espírito Santo sobre o exercício eleitoral de dia 25 de maio.
Porém, na opinião da docente, o Governo não saiu fortalecido apesar da opção tomada relativamente ao pós-troika, uma vez que o país sai do programa “com sequelas profundas no tecido social e económico português”, que não deverão ser esquecidas pelos portugueses a breve trecho.
“O Governo não sai fortalecido e os portugueses também não. As perdas ao longo do processo de ajustamento financeiro durante os últimos três anos trouxeram impactos profundos no plano político-partidário, quanto às forças governamentais, mas sobretudo têm um saldo e impacto negativo nas expectativas sociais e económicas da população. O país sobreviveu mal à intervenção externa e ao plano de ajustamento financeiro, que trouxe sequelas profundas no tecido social e económico português”, refere Paula Espírito Santo.
E agora?
Agora resta esperar para ver o que o Partido Socialista, liderado por António José Seguro, tem para oferecer em alternativa ao país, sendo previsível que o povo opte pelo revezamento habitual na hora de escolher quem governa o país.
“O partido socialista e Seguro serão os sucessores naturais da atual política. Seguro, como atual líder do PS, terá condições para assumir a governança do país, pelo espaço eleitoral que o partido ocupa no quadro da oferta partidária em Portugal. Ou seja, por exclusão de partes, não é expectável que [esta sucessão se realize] de modo diferente, apesar de possíveis dificuldades de estilo de assunção política personificados por Seguro”, conclui.
Sobre o futuro restam muitas incertezas. Certo será que estaremos sob olhar atento, não só dos credores que agora abandonam o país, mas também, dos investidores, que podem dificultar, como ficou provado, o acesso de Portugal aos mercados financeiros. Por agora, Portugal resiste e com Passos, no Governo, fecharam-se as portas à troika, com Seguro a espreitar, em 2015, uma brecha para voltar com o Partido Socialista ao poder.