Ciente de que “a política em Portugal está esgotada” e de que “os cidadãos têm de se mobilizar pela sua renovação”, Rui Tavares fundou o Livre. O novo partido “voltado para a política do futuro” vai a votos, no próximo domingo, na expectativa de alcançar (pelo menos) um assento no Parlamento Europeu, que vai ser ocupado por 21 deputados portugueses, entre os 751 lugares que o compõem.
Acredita que as eleições europeias podem representar uma vitória para os partidos de pequena dimensão, à semelhança do que aconteceu com os candidatos independentes nas autárquicas?
Não é uma questão de crença. A política em Portugal está muito esgotada, está cooptada pelas direções dos partidos e monopolizada por um setor muito restrito da sociedade. Quando isto acontece, o esforço a fazer é enorme, porque é sempre possível que a política se degrade pelo populismo e pela demagogia. E são os cidadãos que têm de se mobilizar para que a renovação da política se faça pela abertura, pela participação e pela credibilidade.
Como é que isso se consegue?
Escolhendo de forma muito criteriosa e exigente quem tem programa e quem não tem. Há gente que faz muito barulho e não tem absolutamente programa nenhum, e há quem se dê ao trabalho de fazer programa e pensar seriamente nesta eleição para o Parlamento, que tem o trabalho mais complexo do mundo nos próximos cinco anos, porque na Europa está tudo por fazer.
Apesar de estarmos no ano em que há, em Portugal, mais listas candidatas ao Parlamento Europeu, é esperada uma abstenção histórica.
A abstenção, para mim, é uma consequência direta do esgotamento da política que temos tido até hoje, feita para o curto prazo, que faz com que as pessoas deixem de entender porquê que deveriam votar. Creio que é altura de libertar a política desses vícios. Foi por isso que me empenhei para criar um partido novo voltado para a política do futuro. Porque se nós, cidadãos, não tomarmos a política nas nossas mãos, não nos podemos queixar da degradação que ela tem sofrido nas mãos dos políticos.
Onde é que o partido Livre se insere na Esquerda?
O Livre não é um partido de centro esquerda nem de extrema-esquerda. É um partido progressista, libertário, ecológico, social e pela democracia europeia. Um partido da convergência e não da divergência, da cooperação e não da competição. Dentro da ala da Esquerda e do progressismo onde nos inserimos, queremos trabalhar em conjunto com partidos.
Que mais-valias é que o Livre poderá acrescentar ao Parlamento Europeu?
Do amplo programa do Livre, destaco quatro áreas principais: derrotar o capitalismo desregulado para haver justiça neste sistema financeiro; obter o alto nível de desenvolvimento ambiental, económico e social que os europeus desejam e merecem; construir uma verdadeira união dos direitos fundamentais, com propostas que passam por constitucionalizar os direitos dos europeus e possibilitar que estes vão ao Tribunal de Justiça da União Europeia; e construir uma democracia europeia no mundo, ou seja, passar a eleger o executivo e todo o legislativo da União, incluindo os representantes permanentes no Conselho da União Europeia.
A resposta que a União Europeia está a dar à crise é adequada?
Não, não é adequada e é, inclusive, contra os tratados da União Europeia. Nos países resgatados, houve políticas ativas de desemprego, que, do meu ponto de vista, são ilegais, feitas por instituições que não têm base legal para atuar dentro da zona euro, como o FMI. A União Europeia é um clube de democracias mas não é ainda uma democracia. Só quando o for é que pode ultrapassar esta crise.
Neste âmbito, nós temos um plano que assenta em três pontos essenciais. São eles uma conferência europeia entre devedores e credores, um mecanismo europeu de estabilidade, que impeça que os juros voltem a disparar, e o projeto Ulisses, que é um plano de recuperação e lançamento para as economias do Sul.
E depois de atravessado o período de crise, que visão de futuro é que tem para a Europa?
O elemento essencial será uma democracia europeia que faça avançar o direito internacional no mundo, que proponha a criação de um tribunal internacional contra os crimes ambientais, que esteja na linha da frente para tirar o oxigénio aos paraísos fiscais e para recuperar o dinheiro que é perdido na evasão fiscal ou no branqueamento de capitais. Assim teremos uma Europa que cumpre o seu papel de ajudar a Humanidade a progredir.
Vários partidos da Esquerda defendem a renegociação da dívida. Concorda com esta posição?
Acho preferível para Portugal que não se apresente sozinho diante dos credores, pelo que é desejável que haja um plano integrado não só para Portugal mas para toda a União Europeia. É bastante mais fácil falar de renegociação da dívida se falarmos todos juntos e se soubermos o que queremos fazer da economia dos países.
E em relação à saída do Euro?
Eu sou contra a saída do Euro porque entendo que não é possível sem uma saída da União Europeia. Mas isso significaria que os nossos emigrantes nos países da UE ficariam extracomunitários de um dia para o outro, que as nossas empresas produziriam mais barato, porque o escudo ficaria fortemente desvalorizado, mas depois não teriam acesso ao mercado comum para exportar os produtos que produzissem, e que o espaço Schengen nos estaria fechado e teríamos a fronteira de novo em Badajoz, entre muitas outras coisas. Não creio que esta seja uma situação desejável para Portugal.
Porque é que considera que o Tratado Orçamental deve ser rejeitado?
Porque impede os países de fazerem, numa época de crise, políticas expansionistas para contrariar a contração da economia. Além disso, foi feito fora dos tratados da UE e enfraquece a UE, desde logo contornando instituições como o Parlamento Europeu, que não tem uma palavra a dizer. Creio que deve travar-se esta artimanha de fazer tratados fora da UE, que acabam por se revelar anti-Europa.
Agora que Portugal está ‘livre’ da troika, de que precisamos ainda de nos livrar para que o país possa progredir?
Precisamos de nos livrar do pesadelo da austeridade, da falta de democracia, de uma política de vistas curtas. E esse pesadelo ainda não acabou. Vamos continuar a pagar a fatura da troika durante muito tempo. As consequências vão fazer-se sentir no futuro.