A troika foi sábado (17 de maio) embora do país. Que balanço faz da ‘estadia’ de Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI em Portugal?
Em primeiro lugar, em rigor, a troika não se foi ontem embora do país. De acordo com os termos acordados entre a troika doméstica - PSD, CDS e PS – e a estrangeira, o país ficará sob vigilância reforçada até 2038, o que implicará visitas regulares e uma atenção sobre o cumprimento de um conjunto de orientações e determinações.
Quanto ao balanço, é uma evidência que o país viu agravar-se as condições num conjunto de setores. Temos hoje um desemprego como nunca tivemos depois do 25 de abril. Tivemos a mais profunda recessão desde a segunda guerra mundial. Temos níveis de pobreza que atingem mais de dois milhões de portugueses. Temos o investimento público ao nível dos anos 50 do século passado. Temos um país com mais problemas do que aqueles que tinha e em piores condições para os resolver.
Inclusivamente os problemas que alegamente justificaram a intervenção da troika, casos do défice e da dívida, visivelmente não foram resolvidos, pelo contrário, foram agravados.
Não foi atingido o equilibrio orçamental, mesmo com o défice maquilhado, pela alienação de empresas e setores estratégicos do país ao grande capital estrangeiro, e a dívida aumentou, passando para os 130% do PIB e aumentando mais de 50 mil milhões de euros.
Visivelmente este foi um programa desastroso que agravou todos os nossos problemas e que nos deixou pior preparados para lidar com eles.
Qual seria a alternativa ao programa de ajustamento proposto pelas entidades externas? Qual seria o plano ideal para a economia portuguesa?
Apresentámos, ainda antes da chamada da troika e da assinatura do memorando, uma proposta de soluções alternativas. Soluções que passavam por uma renegociação da dívida pública - que se na altura era premente agora é ainda mais - nos seus prazos, nos juros e montantes. É bom lembrar que a divida publica com que o país está hoje confrontado foi criada ao longo dos anos por três partidos, representando hoje um grande constrangimento grande ao desenvolvimento de uma política soberana de desenvolvimento do país. É urgente travar essa sangria de recursos que hoje essa dívida significa.
Em 2014 sairão do país para pagamento de juros cerca de 7 mil milhões, quase tudo o que o Estado gasta num ano com a saúde, sendo que nos próximos anos esses encargos serão agravados. É necessário parar isto. Precisamos de negociar a dívida em juros prazos e montantes, fixando um serviço de dívida compatível com o crescimento económico do país, o que nos permitirá dirigir recursos para o investimento produtivo e para a dinamização da produção nacional, pois só produzindo mais conseguiremos dever menos.
Deveria apostar-se também num programa de substituição de importações por produção nacional e recuperar empresas e setores estratégicos essenciais para apoiar este programa de desenvolvimento e dinamização da economia do país.
Por outro lado, devem devolver-se aos trabalhadores, reformados e pensionistas os rendimentos retirados nos últimos anos, não só como fator de justiça social mas também como forma imprescindível para dinamizar a economia.
Defendemos também uma gestão orçamental rigorosa que assente numa componente fiscal de tributação dos grandes grupos económicos, que nos permitirá aliviar o peso da carga fiscal sobre os trabalhadores, as famílias e sobre as pequenas empresas. Isto implica, também, o fim da canalização de recursos públicos para o setor privado, desde logo pondo fim às parcerias público privadas ou os ruinosos contratos SWAP.
Defendemos, igualmente, a afirmação perante a União Europeia de uma postura soberana, fazendo prevalecer o interesse nacional sobre quaisquer imposições ou determinações externas, quaisquer que elas sejam.
Tem defendido uma saída de Portugal do Euro. Numa primeira instância isto não agravaria a situação dos portugueses?
Temos defendido a necessidade de o país se preparar para uma saída do Euro em função do que representou ao longo de uma década e meia o amarrar do país às imposições do Euro e da moeda única. Ao longo de uma década, Portugal viu disparar a sua dependência externa, o endividamento, a dívida pública e os níveis de desemprego. O país produz hoje menos riqueza do que aquela que produzia quando entraram em circulação as moedas e notas em euro. A produção agrícola e industrial, globalmente, paralisou ou retrocedeu. Durante este período houve também uma perda generalizada de poder de compra da população e os custos unitários do trabalho decresceram cerca de 1%.
Portanto, é em nome deste caminho, daquilo que estes indicadores nos mostram e põem em evidencia, que nos devemos preparar para romper com este caminho e prepararmo-nos para, num processo que tem de ser sempre devidamente pensado e que tem de traduzir uma vontade expressa da população portuguesa, nos libertarmos dos constrangimentos e de toda a austeridade que o Euro traz agarrado a si. Temos de adequar a nossa política económica, orçamental e cambial às necessidades e especificidades do nosso país - seguramente muito diferentes das necessidades e especificidades de uma economia como a Alemanha - aproveitando todas as possibilidades de crescimento e desenvolvimento sustentável e duradouro, passando isto pela recuperação da soberania no plano monetário.
Porém, há uma preocupação que desde a primeira hora deve orientar esse processo: a de que a saída se faz para recuperar rendimentos e não para perder mais rendimentos. Portanto, impõe-se uma defesa firme dos rendimentos da generalidade da população e das suas poupanças, que não poderiam ser, de forma alguma, afetadas por este processo. Não seria admissível que a uma saída do Euro viesse a suceder uma ainda maior perda de rendimentos.
Tem defendido que “Portugal não é um país pobre, é um país empobrecido”. Que quer dizer com esta afirmação e quem são para si os responsáveis por este ‘estado de coisas’?
Portugal é um país cheio de recursos. Recursos naturais, mas também um também com um enorme potencial humano que resulta da força dos trabalhadores, infelizmente desperdiçado nos últimos anos com a vaga de emigração massiva que teve lugar e que incidiu sobretudo nos profissionais mais qualificados. Estes recursos, se bem aproveitados, podem dar um contributo muito grande para tirar o país da situação em que se encontra. E, é uma evidencia, ao longo dos anos eles foram desbaratados e o país privou-se deles, em virtude das políticas europeias que foram sendo aceites pelos sucessivos governos de PS, PSD e CDS.
Algumas destas políticas significaram um rude golpe para a nossa agricultura, por exemplo. Portugal perdeu, em 20 anos, meio milhão de hectares de superfície agrícola útil, perdeu mais de um terço da sua frota pesqueira, viu perder setores fundamentais da nossa indústria e, portanto, é isso que é necessário recuperar para o nosso país… É tudo isto que é preciso inverter.
Pergunta-me quais os responsáveis?! Eles estão identificados. É fácil essa identificação. São, no essencial, os três partidos que se têm alternado no Governo nos últimos 37 anos, que são também os que têm estado representados em maioria no Parlamento Europeu.
Que balanço faz de Durão Barroso à frente da Comissão Europeia e quem seria, na sua opinião, o candidato ideal para ocupar a cadeira de líder europeu?
Relativamente à primeira questão: o balanço é indissociável do que é hoje a situação que o país hoje enfrenta. Portanto, confirmando aquilo que o PCP disse na altura, de que não era pelo facto de termos um português à frente da Comissão Europeia que daí poderia advir qualquer benefício para o país, aconteceu precisamente o contrário. Todas as decisões tomadas nos últimos anos pela CE foram profundamente contrárias aos interesses de países como Portugal. Se outros (PSD-CDS e PS), por duas vezes, deram o seu apoio a Durão Barroso, com base no argumento de que o país poderia beneficiar alguma coisa com a sua liderança, a verdade é que hoje a situação que o país enfrenta é o mais cabal desmentido desses supostos benefícios.
As divergências no seio da zona Europeia acentuaram-se ao longo deste período. Portanto, mais importante do que quem vai ocupar esse lugar no futuro é a questão de que a CE adquiriu hoje, por via de legislação aprovada nos últimos anos, quer ao nível do Parlamento Europeu, quer ao nível do Conselho, por via do tratado orçamental, o poder de interferir em decisões fundamentais da vida de um país. Decisões de política e reforma económica, emissão de dívida, questões de política orçamental e de decisão de orçamentos, decisões fundamentais da vida de um país que não devem estar sujeitas a determinações de entidades externas, no caso, da Comissão Europeia. Isto é o mais importante.
O que está em causa com estas eleições é, também, libertar o país deste caminho de submissão, de dependência e de subjugação aos interesses das grandes potências europeias, sempre defendidos, nomeadamente, pela CE. A questão não é quem vai brandir o chicote sobre Portugal, mas a questão de o país não se poder sujeitar a essa submissão. Isto implica reverter a legislação aprovada nestes últimos anos e que atribui a estas entidades o poder de interferir em decisões fundamentais da vida de um país.
Por outro lado estas eleições são para eleger deputados ao Parlamento Europeu, não são para eleger nenhum presidente da Comissão Europeia. Nunca foram e nunca poderiam ser. Não houve nenhuma alteração em relação à eleição do presidente da CE e, portanto, é uma mistificação tentar transformar estas eleições numa coisa que elas não são, nem poderiam ser. Qualquer tentativa de associar estas eleições a escolha do líder europeu não passa disso e é uma tentativa de iludir sobretudo as responsabilidades dos deputados que nos últimos anos lá estiveram e as suas responsabilidades na aprovação de um conjunto de legislação que é má para o país e que o deixa num caminho de dependência e subordinação e de empobrecimento.
Agora que Portugal saiu do programa de ajustamento, tal como a Irlanda, a Grécia e Ucrânia parecem ser algumas das questões mais centrais a nível europeu. Qual é a sua perspetiva sobre estes dois temas?
Recusamos a ideia de que os problemas se tenham resolvido para Portugal e Irlanda. Como dizia há pouco, todos os problemas que o país enfrentava em 2009 estão hoje agravados e estamos pior. Temos mais problemas do que há cinco anos atrás e estamos pior preparados para os resolver.
Na própria União Europeia é falsa a ideia de que a crise esteja superada e muito menos a crise no seio da zona Euro. Continuamos a ter divergências insustentáveis entre as diversas economias e realidades como o desemprego e pobreza, que atingem níveis intoleráveis e em alguns casos nunca vistos nalguns países da União Europeia, portanto, é totalmente falsa a ideia de que o que nos resta de problemas na Europa seja a Grécia e a Ucrânia.
Por outro lado, é sobretudo com muita preocupação que constatamos a interferência da União Europeia num processo que visou dar alento ao que de pior existe na história da Europa. Quando vemos uma interferência direta da UE no apoio a forças de cariz neofascista, que ascenderam ao dito Governo da Ucrânia e que, em alguns casos, têm uma ligação a um passado nazi, que ocupam posições neste governo, com o apoio de Estados Unidos e União Europeia, é, de facto, com muita preocupante, sendo que, do nosso ponto de vista, a solução passa por uma não interferência nos assuntos internos da Ucrânia e por uma solução pacifica dos conflitos criados. Assim, defendemos a possibilidade de o povo ucraniano poder decidir livremente o seu destino sem interferências internas.
Mas, neste ponto, teremos de considerar também a posição russa, que acaba por interferir igualmente em questões que não lhe dizem diretamente respeito.
A nossa posição é a de condenação da interferência e ingerências externas e de grande preocupação quanto ao que estes atos já significaram, nomeadamente no abrir de portas à ascensão ao poder de forças de cariz racista, xenófobo e neofascistas e, portanto, entendemos que a solução é o fim destas interferência e um contributo para uma solução pacífica dos conflitos, salvaguardando o respeito integral da vontade do povo ucraniano e a necessidade destes determinarem pelas suas mãos o seu destino.
Noutro ponto, quais são os objetivos da CDU no Parlamento Europeu e o que considerarão um bom resultado eleitoral no dia 25 de maio?
Os nossos objetivos para os próximos cinco anos são desenvolver e aprofundar o trabalho realizado ao longo do último mandato. Os deputados da CDU têm um trabalho impar na defesa do país, dos interesses do povo, de importantes vetores da economia nacional e na defesa da agricultura, pescas e indústria portuguesa, mas também dos serviços públicos. Temos um trabalho que não teme comparações do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Foram centenas de intervenções, milhares de perguntas às diversas instituições europeias, relatórios, pareceres e centenas de propostas de alteração de legislação e resoluções, que demonstram um trabalho inigualável e uma profunda ligação à realidade do país e aos seus problemas, mas também quanto às aspirações de amplas camadas da população. É esse trabalho que, nos próximos anos, queremos aprofundar e desenvolver.
Para isso, esperamos nestas eleições ter mais votos, tendo mais deputados e mais influência da CDU no Parlamento Europeu.
As sondagens apontam para uma derrota da Aliança Portugal nas próximas eleições europeias. Acha que, após dia 25, confirmando-se este cenário, está a CDU, ou qualquer outro partido em condições para pedir a saída do Governo?
Nós há muito tempo que vimos exigindo a demissão do Governo, ao contrário de outros (PS) que foram avançando e recuando nessa exigência, o PCP tem sido coerente desde o momento em que o afirmámos. Só uma reiterada e ostensiva violação por parte do Presidente da República, do compromisso que assumiu de cumprir e fazer cumprir a Constituição, ainda não levou a esse cenário de demissão do Governo. É importante que estas eleições deem força a essa exigência e é importante que a condenação do Executivo e da sua política ganhe força.
Em Portugal, parece existir uma dificuldade para encontrar um espaço de reunião dos partidos de Esquerda e a construção de uma ‘unidade’ neste sentido, como acontece, por exemplo, a nível europeu. A que se deve, na sua opinião, este facto?
Deve-se ao facto de que alguns que, ao longo dos últimos anos, alguns que se foram reclamando de Esquerda terem vindo, no essencial, a desenvolver uma política de direita. É evidente o compromisso do partido socialista com as políticas de Direita que têm vindo a ser implementadas no país. Portanto, creio que a condição ou pré-requisito para a formulação dessa alternativa política, que nós entendemos dever ser uma alternativa política patriótica e de esquerda, passa hoje, apenas, por um reforço da posição eleitoral da CDU.