Durante três semanas, Atenas negociou com os seus parceiros da zona euro um prolongamento do resgate financeiro, a mais pesada herança dos anteriores executivos, e que terminava no final de fevereiro. Um confronto amargo, protagonizado pelos ministros da Finanças da Grécia Yanis Varoufakis, 53 anos, e o seu homólogo alemão Wolfgang Schauble, 72 anos, que quase eclipsaram os restantes 17 parceiros da zona euro, e a própria Comissão Europeia.
O tempo jogava contra os novos líderes helénicos. A partir de 28 de fevereiro o país arriscava-se a ficar privado de novos empréstimos internacionais e numa situação ainda mais dependente.
Na noite de sexta-feira, após duas anteriores e inconclusivas reuniões do Eurogrupo (que junta os 19 ministros das Finanças da zona euro), foi anunciado um acordo político entre as partes com cedências mútuas, apesar de a Grécia permanecer sob intensa pressão. O resgate será prolongado por quatro meses e mantém-se a supervisão das tomadas de decisão e a sua monitorização detalhada pelas instituições da 'troika' (União Europeia e FMI), que Atenas queria evitar.
Os responsáveis gregos devem ainda apresentar até hoje um catálogo de reformas que será analisado por funcionários da 'troika' na terça-feira. O Eurogrupo tomará de seguida conhecimento da decisão dos credores internacionais, da qual depende a assinatura do acordo final.
Mas os contornos deste intenso debate também indicam que a Europa entrou numa nova fase após a vitória eleitoral do Syriza.
Um dia após as discretas celebrações do triunfo, Tsipras, 40 anos, assinalou a viragem política. Prestou um juramento civil como chefe do governo, e no Parque Skopeftirio visitou o monumento nacional que homenageia centenas de resistentes gregos fuzilados pelos invasores alemães durante a II Guerra Mundial.
Mas as relações com a UE surgiram como o principal desafio do novo executivo de coligação, após a confirmação da aliança governamental com os Gregos independentes (Anel, direita nacionalista anti-memorando) de Panos Kammenos, que ficou com a pasta da Defesa.
A formação do novo Executivo foi rápida. Dois dias após as eleições o novo gabinete reuniu-se pela primeira vez e logo a 30 de janeiro decorreu a atribulada visita à capital grega do chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, 48 anos, primeiro sinal sério das desavenças intra-europeias.
De seguida, Varoufakis iniciava uma ronda por diversas capitais com os planos para a renegociação da dívida grega -- que se tem agravado desde 2008 --, enquanto Tsipras buscava apoios, pouco entusiastas, em Bruxelas, Roma, Paris ou Viena e pretendia surgir como "exemplo" para as populações dos "países periféricos" do sul europeu.
A readmissão de centenas de empregadas de limpeza despedidas pelo anterior Ministério das Finanças foi um sinal sobre como o novo Governo pretendia atuar, apesar de ainda permanecerem por esclarecer as medidas destinadas a recuperar os empregos na função pública ou combater o flagelo do desemprego (cerca de 26% da população ativa, ultrapassando os 50% entre os jovens).
Num país onde mais de 30% da população se encontra no limiar da pobreza, o aumento do salário mínimo, das reformas dos mais fracos, o fim dos despejos de inquilinos sem posses, o combate à corrupção e evasão fiscal ou o congelamento das privatizações em setores decisivos são outras bandeiras do Syriza e que lhe garantiram perto de 2,3 milhões de votos, um valioso "capital político", mas que podem colidir com o acordo de sexta-feira.
Ao interpretar esta solução de compromisso, Tsipras disse no sábado que o país "deixou para trás a austeridade, o memorando, a 'troika'", e atingiu o seu "objetivo principal". Uma forma de corresponder às altas expectativas da população e manter o atual "estado de graça" do Governo.
Uma sondagem divulgada em 14 de fevereiro para a televisão privada Alpha referia que o Syriza obteria 45,4% dos votos (36,4% em 25 de Janeiro), enquanto 83,1% dos inquiridos manifestaram opinião positiva sobre os primeiros dias do novo Governo.
Um apoio ao qual não será estranho o desígnio de um Governo ainda em "estado de graça" que apelou à população para se unir em torno de um objetivo mobilizador, a recuperação da "dignidade nacional".
A nível interno, o Syriza também resolveu a questão da eleição do novo Presidente da República pelo parlamento -- um impasse que esteve na origem da antecipação das legislativas para 25 de janeiro --, com a designação do ex-ministro conservador Prokopis Pavlopoulos e a tradicional preservação do equilíbrio institucional.
No rescaldo de três semanas de grande tensão negocial, Tsipras considerou ainda no sábado que o Governo da esquerda radical garantiu "muito sucesso" mas que tem perante si "uma estrada longa e difícil".
Afinal, Atenas cedeu mais que Bruxelas, ou Berlim. "Uma derrota fora de casa pela margem mínima", como então ironizou Varoufakis.