© David Ramos/Getty Images
No percurso que fez ainda escorregou e caiu numa pequena ribanceira e ficou "com água quase até ao pescoço".
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"Quando cheguei a casa e vi a minha filha, chorei como um menino. Nunca tinha chorado assim", contou hoje à Lusa, numa rua de Alfafar, uma cidade com cerca de 20 mil habitantes nos subúrbios de Valência, no lado sul da cidade, uma das zonas mais destruídas pelas inundações que atingiram Espanha na terça-feira à noite.
Javier Álvarez, diretor comercial numa empresa de materiais de construção, foi uma das milhares de pessoas apanhadas pelas águas dentro do carro quando na terça-feira ao início da noite regressava a casa do trabalho, que fica em Riba-Roja de Túria, a 26 quilómetros de Alfafar.
"Tive de abrir a porta do carro à patada para sair", relatou, explicando que o veículo era elétrico e não consiga abrir a porta de nenhuma maneira quando se viu preso numa estrada cheia de água.
Conseguiu depois subir para o topo de um camião também preso na estrada e ali ficou "toda a noite", com outras pessoas, até que já de dia, e já sem água na estrada, começou a andar em direção a casa.
Começou por pensar que as inundações tinham afetado a zona onde estava, um vale próximo do rio Turia "onde as cheias começam sempre", mas no caminho percebeu que estava perante uma tragédia maior e que tinha chegado inclusivamente à rua onde vive, a avenida de Alfafar, a poucos quilómetros da Albufeira, já à beira-mar.
Hoje passou boa parte do dia no passeio em frente do prédio onde vive, atrás de mesas cheias de garrafas de água, comida, produtos de higiene e medicamentos que, com vizinhos, esteve a distribuir por quem passava e pedia ajuda.
As águas foram ali deixadas por militares que estão a levar ajuda às populações mais afetadas pelo temporal, mas também por voluntários, que entregaram vários produtos, como pão, aquilo que mais é desejado neste momento numa localidade que tem quase todos as lojas e comércios arrasados.
"Para não continuar a chorar, agora é preciso trabalhar", disse Javier Álvarez, com um sorriso.
No quarto dia após as inundações, a avenida de Alfafar e as ruas do mesmo bairro começam a estar livres de lama e a ter o alcatrão e a calçada à vista. Ao barulho das vassouras e pás de moradores e milhares de voluntários, juntou-se hoje o das bombas que retiram água das garagens, das lojas e dos andares mais baixos dos prédios e que ajuda a lavar as ruas.
Após dias de queixas das populações por falta de assistência, veem-se veículos e equipas de militares, de bombeiros, de forças de segurança, de serviços médicos.
As ruas também já não estão todas atravancadas de carros destruídos, virados e empilhados uns nos outros. Restam, ainda assim, os muitos que estão nas bermas, em jardins e pracetas ou no campo de futebol de uma das escolas do bairro, mas que não impedem a passagem de máquinas, camiões e cisternas.
Uma das montanhas de carros que persiste está uns metros à frente da casa de Javier Alvarez, nos lados laterais de um túnel que ficou inundado na terça-feira à noite e de onde hoje continuava a retirar água uma equipa da Unidade Militar de Emergência (UME), especializada em catástrofes.
Uma das militares que integra a equipa, que pediu para não ser identificada, disse à Lusa a meio da tarde que já tinham retirado do túnel escombros e muita água, mas, pelo menos nos dois últimos dias, aqueles que passou ali, não encontraram qualquer cadáver.
No túnel ficaram presos centenas de carros na terça-feira à noite e, segundo Javier Alvarez, apesar dos boatos que correriam inicialmente, não há notícia de mortes naquele local. De onde retiraram corpos foi das garagens da rua, de pessoas que não tiveram consciência da violência das inundações e acharam que podiam salvar os carros, um relato que se repete em permanência em todos os locais por onde passou o temporal e onde há registo de vítimas mortais.
O leste de Espanha, e em especial a região de Valência, foi atingida na terça-feira por um temporal que causou, provavelmente, as maiores inundações da Europa neste século, disse hoje o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que reconheceu haver uma "situação trágica" na região de Valência e anunciou o envio de mais 5.000 militares para o terreno e de mais 5.000 elementos das forças de segurança.
Com este reforço, há já mais de 7.000 militares nas zonas afetadas pelas cheias e 10.000 elementos da Polícia Nacional e da Guarda Civil, no maior dispositivo de forças do Estado jamais mobilizado em Espanha em tempos de paz.
Sánchez avançou que há pelo menos 211 mortos confirmados e afirmou que dezenas de famílias continuam a procurar pessoas desaparecidas.
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