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No processo a que a Lusa teve hoje acesso, e cujo julgamento se iniciou esta tarde no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o distribuidor local - atualmente designado por GESFRESCOS, LDA - acusa a Ré - a Danone - de utilizar a sua posição de poder ou ascendente sobre a empresa para impor rotas, preços e investimentos, o que a multinacional contesta.
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"Esta denúncia vem expor uma situação de poder ou ascendente que a Ré detém em relação à autora que se encontra em relação a ele num estado de dependência, por não dispor de alternativa equivalente para fornecimento dos bens em causa no contrato, o que configura abuso de dependência económica", lê-se na petição inicial.
Segundo a autora, em 1990, a Danone estabeleceu consigo um acordo verbal, no qual esta passava a adquirir os iogurtes à Ré para revenda no mercado em parte dos distritos do Porto, Braga e Viana do Castelo, em regime de exclusividade, factos que foram hoje confirmados pelas duas testemunhas arroladas pela acusação.
Em troca, refere a autora na ação, "a empresa auferia uma remuneração que consistia numa comissão sobre o valor das vendas, sendo que na área de influência da Autora, até 2010, nenhuma outra empresa assegurava com preços mais favoráveis que a Autora a compra e revenda dos produtos da marca Danone".
Hoje, ao tribunal, os dois ex-funcionários da Gesfrescos chamados a depor afirmaram que esta empresa atuava como um distribuidor local, designação que foi atribuída pela Danone, vendendo, faturando e entregando produtos aos clientes por si angariados, contrariando a tese da defesa que alega que a empresa sediada em Alfena era apenas "responsável pela operação logística subjacente à entrega dos produtos" e não a sua venda.
A partir de 2011, a Danone, alega o distribuidor, começou a incumprir o contrato que mantinha, excluindo, mesmo na área de atuação do distribuidor, "as grandes superfícies comerciais e os mais relevantes - como a Sonae, Jerónimo Martins entre outros - Cash & Carry, tudo entidades que a Autora já fornecia".
Condição que a empresa, alega a autora, foi "obrigada a aceitar" tendo em conta "o ascendente económico da Danone, e o elevado grau de dependência". Contudo, "nunca aceitou" que a multinacional "passasse a praticar preços mais baixos nos produtos que vendia junto dessas grandes superfícies comerciais, do que aqueles que fixava para a Autora" e que conduziram, entre os anos de 2010 e 2012, a uma redução média das vendas na ordem dos 15%.
Esta situação, alega ainda, manteve-se nos anos seguintes, traduzindo-se, em 2018, numa quebra de 47,5% quando comparado com o ano de 2010.
A conduta da Ré causou um prejuízo direto de cerca de 4,3 milhões de euros, lê-se na petição inicial.
"As vendas começaram a descer, depois de a Danone passar a vender diretamente aos supermercados grandes, como o minipreço ou Pingo Doce", indicou um ex-chefe de armazém da Gesfresco, questionado pelo advogado de acusação.
A testemunha disse em tribunal que esta decisão prejudicou o distribuidor que teve de dispensar trabalhadores.
Na ação, o distribuidor pede ainda ao tribunal que condene a Danone ao pagamento de cerca de 340 mil euros por "pré-aviso em falta" referente ao fim do contrato, 856 mil euros por indemnização de clientela e 50 mil euros por danos de imagem, totalizando, quando somados os 4,3 ME por incumprimento do contrato, um valor na ordem dos 5,5 ME.
Na contestação, a Danone defende que "ao contrário do alegado pela Autora, a cessação do contrato [em 02 de maio de 2021] não foi abrupta ou inesperada", tendo sido comunicada por carta a 02 de novembro de 2020, com seis meses de antecedência.
Segundo a defesa, a relação das partes foi-se "deteriorando consecutivamente, sobretudo devido à insistência reiterada e permanente da Autora de que a Ré estava a incumprir o contrato", o que, defendem, "não tem qualquer cabimento legal e/ou factual".
A Danone sublinha ainda que desde 2015 que é apenas uma parte da operação da Gesfrescos que "está a trabalhar com Lactogal Produtos Alimentares, S.A., empresa "pelo menos parcialmente concorrente da Ré e que é líder em quota do mercado na zona Norte".
A multinacional recusa ainda ter vinculado "quer oralmente quer por escrito, a fixar-lhe os melhores preços de venda dos seus produtos no mercado nacional, e sublinha que a autora apenas "recebe e entrega [os produtos] aos clientes da Danone, a quem esta define preços e condições", argumento contestado pela autora.
Explica ainda que foram as cadeias de distribuição como a Sonae, Auchan, Jerónimo Martins, entre outros, que requereram à Danone que esta passasse a entregar os seus produtos num ponto de entrega único a nível nacional.
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