Polémica sobre carros a gasóleo. Eis algumas perguntas e respostas
A Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável quer ajudar a elucidar os portugueses acerca desta questão e, por isso, antecipou-se ao ministro do Ambiente.
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Auto Esclarecimento
O arranque da semana que hoje termina ficou marcado por declarações do ministro do Ambiente que geraram polémica no setor automóvel. Em entrevista ao Jornal de Negócios, Matos Fernandes disse ser "muito evidente que quem comprar um carro a diesel muito provavelmente daqui a quatro ou cinco anos não vai ter grande valor na sua troca".
Estas palavras caíram que nem bombas e as críticas não se fizeram esperar, seja por parte do setor automóvel, como por parte da oposição que o acusou de ser "irresponsável" nas declarações proferidas.
Em resposta, o ministro afirmou que "o que disse é uma evidência que ninguém contrariou". "Muitos discordaram, mas nenhum disse que [eu] não tinha razão em fazer este aviso. Isto é uma evidência e não sou eu que o determino", referiu, lembrando que o que disse foi apenas "um aviso, um alerta” já feito por fabricantes de automóveis.
Face a toda esta polémica, o Automóvel Clube de Portugal (ACP) dirigiu ao governante um conjunto de perguntas relacionadas com esta problemática, estando a aguardar resposta.
No entanto, quem não quis esperar foi a Zero que, numa nota enviada ao Notícias ao Minuto, prontificou-se a responder às questões colocadas pelo ACP.
Como pretende assegurar a rede elétrica para um consumo massivo?
A rede elétrica requer investimentos para assegurar um progressivo aumento de consumo associado ao setor dos transportes face à sua eletrificação. A presença de maior produção descentralizada de eletricidade através de painéis fotovoltaicos e as redes inteligentes permitirão assegurar e gerir uma maior procura. Apesar da perceção de que a carga em postos públicos é uma barreira importante para a captação em massa de veículos elétricos, os carregadores públicos são usados apenas por cerca de 5% do total de carga. Os dados compilados em vários estudos à escala europeia mostram que a grande maioria dos carregamentos de veículos elétricos ocorre em casa ou no trabalho e é uma falta de escolha e disponibilidade de carros elétricos que é a principal barreira. O carregamento noturno toma partido de uma menor procura e de uma predominância de fontes renováveis no fornecimento de eletricidade neste período. Note-se que graças a sistemas inteligentes de carregamento, a potência necessária a disponibilizar pode ser adaptada às necessidades de carregamento de cada viatura e assim evitar uma sobrecarga de rede, dando por exemplo maior prioridade a viaturas com menor carga.
O que está a ser feito junto dos grandes distribuidores para a rede pública de eletricidade suportar carregamentos em massa nos prédios e na via pública?
Para além da expansão e manutenção da rede Mobi-E, que é realmente fundamental aumentar, o número de pontos de carregamento através da desburocratização da instalação de equipamentos em garagens de condomínio e outros espaços privados deve aumentar significativamente. Há diversas empresas que têm vindo a anunciar investimentos para instalação de centenas de postos de carregamento e no futuro certamente teremos ofertas simples através da iluminação pública ou a oferta de carregamento em zonas privadas de estacionamento para clientes de diversos serviços. Noutro plano, os grandes polos geradores de deslocações e emprego deverão igualmente incorporar estas alterações oferecendo soluções de carregamento aos seus trabalhadores, colaboradores e clientes, o que também contribuirá para satisfazer parte desta procura.
Como assegura a produção de eletricidade suficiente para sustentar as necessidades de mobilidade pública e privada?
De acordo com o roteiro para a neutralidade carbónica em 2050 e o plano nacional de energia e clima (ambos ainda com versões provisórias), passaremos de 31% de energia final proveniente de fontes renováveis em 2020 para 47% em 2030. A capacidade instalada para produção de eletricidade passará de 23 GW para 30 GW, com um aumento de 9 GW na solar fotovoltaica, no total das componentes centralizada e descentralizada, e mais 3 GW na eólica a par do fim do recurso ao carvão.
Mais ainda, apesar de se prever um aumento da mobilidade de passageiros, em linha com o que vem sendo afirmado por diversos construtores automóveis, estes irão começar cada ver mais a vender serviços de mobilidade do que propriamente carros. A partilha dos veículos, e mais tarde os veículos autónomos, será uma realidade crescente, a par de um papel decisivo do transporte público e da denominada mobilidade suave (onde se inclui por exemplo andar a pé e usar bicicletas nas cidades).
A tendência é a de uma diminuição do parque automóvel e na maior eficiência comparativa do parque que existir (viaturas profissionalizadas, com partilha e gestão inteligentes). Na logística, muitas empresas encaram já a entrega de produtos através de veículos ligeiros de mercadorias elétricos ou outras modalidades de baixo carbono face às restrições a veículos de combustão e de ruído impostas em várias cidades assim como o seu custo TCO (Total Cost Ownership), o qual ponderando custos de manutenção, custos de combustível e os custos de investimento são já competitivos para o modo elétrico em algumas aplicações hoje em dia. Esta realidade é crescentemente visível nas cidades Europeias.
Essa produção é ambientalmente sustentável ou, como aponta a Direção-Geral do Ambiente da União Europeia, a produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis, sobretudo centrais a carvão, é a maior fonte individual de emissão de gases de efeito estufa?
Esta questão é muito pertinente e resolvemos avaliá-la para o caso de Portugal numa comparação direta, entre um automóvel elétrico e automóveis a gasóleo e gasolina. A preocupação com os veículos a gasóleo não reside nas emissões de partículas, onde a atual norma europeia (EURO 6) através de um filtro de partículas permite que não haja praticamente emissões, mas sim nas emissões de óxidos de azoto que foram o tema subjacente ao denominado dieselgate.
A norma europeia atual permite não mais do que um terço de emissões de óxidos de azoto aos automóveis a gasóleo. Na prática, um mesmo modelo com características semelhantes de performance tem pelo menos o dobro das emissões de óxidos de azoto na versão a gasóleo por comparação com a versão a gasolina.
Muitas cidades, incluindo Lisboa e Porto, nas zonas de maior tráfego, não conseguem cumprir os valores-limite de dióxido de azoto e está perfeitamente identificado que os veículos antigos e particularmente os a gasóleo pelas razões apresentadas são os principais culpados desta situação. Vários estudos mostram como, em termos de análise de ciclo de vida, um veículo elétrico tem uma pegada inferior a um veículo com motor de combustão.
No que respeita porém à sua operação, a ZERO efetuou a contabilização das emissões de um automóvel elétrico do segmento pequeno familiar com base nas características de produção de eletricidade verificadas em 2018 em Portugal onde as fontes renováveis asseguraram 55% do consumo e 16% foi proveniente de centrais a carvão. Considerando modelos praticamente equivalentes, no que respeita às emissões de dióxido de carbono causadoras das alterações climáticas, as emissões por quilómetro de um veículo a gasolina seriam de 134 g/km, a gasóleo de 128 g/km e de um elétrico praticamente metade (64 g/km).
Note-se que os motores a gasóleo são mais eficientes mas o gasóleo também tem mais carbono, pelo que as emissões de um automóvel a gasolina são superiores dado o seu maior consumo, mas relativamente próximas.
No que respeita aos óxidos de azoto, as emissões reais do mesmo veículo rondarão as 72 mg/km, enquanto no caso do gasolina e do elétrico serão de cerca de 32 mg/km, com a diferença enorme de, no caso dos elétricos, essas emissões não afetarem diretamente a saúde porque têm lugar nas centrais térmicas e não nos centros das cidades.
De referir que em Portugal, a meta é ter 80% de eletricidade renovável em 2030. Hipoteticamente, num país onde toda a produção fosse proveniente da queima de carvão (o que não acontece em nenhum país europeu), as emissões de dióxido de carbono de um veículo elétrico seriam o dobro de um veículo a gasóleo.
Como é que vai ser a tributação fiscal para os carros elétricos e a sua implicação na fatura da eletricidade doméstica?
A ZERO defende que no futuro a tributação do uso de veículos elétricos deve ser feita ao quilómetro, com meios eletrónicos de fiscalização e monitorização, nomeadamente associados ao veículo, às suas características e tipologia de utilização. Vários países estão a ponderar soluções desta natureza que a futura digitalização permitirá suportar, até porque por muito bom que possa ser o desempenho ambiental dos veículos existem áreas sensíveis onde a quantidade destes terá sempre de ser limitada. As apostas no transporte público, fomento da partilha do automóvel e modos suaves devem também ser ponderadas na equação de uma fiscalidade verde.
Ao defender um consumo de massas, terá o senhor Ministro da Transição Energética noção das implicações dessa medida na receita fiscal do Estado?
Esta é efetivamente uma questão relevante que todos os países, no contexto da progressiva eletrificação dos veículos, terão de equacionar. No caso de Portugal, o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) associado à venda de combustível representa 7,4% da receita fiscal. É fundamental que ao longo dos próximos anos e décadas haja uma transição desta fonte de receita para outras formas equilibradas e justas, mas onde a incidência sobre os veículos permaneça proporcional à sua utilização, ao seu impacte ambiental e aos custos que acarretam sobre as infraestruturas.
O que é que pretende fazer ao parque automóvel superior a 5 milhões de viaturas a combustão atualmente em circulação?
Para 2030, o roteiro para a neutralidade carbónica 2050 prevê uma transição para a mobilidade elétrica com um parque automóvel elétrico de cerca de um milhão de veículos ligeiros de passageiros. Em 2018 venderam-se cerca de 228 mil automóveis. Dá assim para perceber que há tempo para perspetivar as melhores soluções para os consumidores e para o ambiente, sendo que um conjunto de estudos aponta para que em 2022 ou 2023, o preço de um automóvel elétrico esteja em paridade com um automóvel a combustão, sem necessidade de quaisquer apoios que neste momento suportam uma melhor escolha ambiental.
Qual é a fatura ambiental do desmantelamento deste parque?
A legislação europeia exige que os construtores automóveis, ao fabricarem um veículo, tenham de proporcionar a capacidade de reutilização, reciclagem ou valorização dos materiais em percentagens muito significativas. Há uma legislação específica relativa aos veículos em fim-de-vida (Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro), que prevê que os operadores de tratamento de resíduos sejam obrigados a cumprir as metas de reutilização/valorização e reutilização/reciclagem de 95% e 85%, respetivamente. O incremento da economia circular, que aposta acima de tudo na redução do consumo de recursos, deve assegurar soluções adequadas logo desde a conceção e construção dos veículos.
Como está a ser negociado o fim da combustão com a indústria sediada em Portugal, nomeadamente com a Autoeuropa, líder das exportações nacionais, que apenas fabrica carros a combustão?
Sobre este aspeto, é relevante mencionar que praticamente todas as marcas estão a desenvolver, e grande parte já a comercializar, veículos elétricos e que é inevitável que a indústria faça essa transição. O diretor de estratégia da Volkswagen, Michael Jost, disse há um mês que a empresa lançará sua última geração de carros movidos a combustão em 2026. Depois disso concentrar-se-á apenas em veículos elétricos. Portugal deve posicionar-se o mais rapidamente possível para ser um ator na produção e conceção de veículos elétricos.
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