Armindo Araújo e o WRC: "Sei que a MINI não era a escolha certa, mas..."
A propósito da rubrica 'Dos 0 aos 100' do Desporto ao Minuto, falámos com Armindo Araújo. O pentacampeão nacional de ralis encontra-se, neste momento, na liderança do CPR e está muito perto de alcançar o hexa. Com 20 anos de carreira, o piloto de 43 anos já venceu inúmeros títulos em solo nacional, sagrou-se também bicampeão do Mundo de Produção, mas sempre que entra no carro a motivação é a mesma do primeiro dia.
© Team Armindo Araújo
Auto Armindo Araújo
Armindo Araújo dispensa apresentações. É um dos nomes que mais deu ao automobilismo nacional e um ícone no panorama dos ralis. Venceu o que havia para vencer em Portugal, aventurou-se lá fora e sagrou-se, por duas vezes, Campeão do Mundo de Ralis de Produção.
Depois de uma carreira que começou em 2000, 11 anos depois alcança o degrau desejado por muitos: o WRC. As coisas não correram de feição, o projeto da MINI não foi o melhor para as aspirações do piloto português, e Armindo Araújo optou por fazer uma pausa na carreira. Pausa essa que chegou a pensar ser "definitiva".
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o piloto de 43 anos contou-nos por que decidiu voltar aos ralis com a vontade de ganhar que sempre teve desde aquele longíquo ano 2000.
Neste momento, e num ano atípico como este, Armindo Araújo está prestes a alcançar o seu sexto título de Campeão Nacional de ralis, mas já pensa nos próximos anos. E, como o próprio nos confidenciou, talvez tenhamos a possibilidade de o ver novamente em palcos internacionais.
Foi preciso algum tempo para a máquina, digamos assim, ficar oleada. Tivemos de perceber qual era a receita certa para vencer no MundialHoje és um dos nomes mais altos do automobilismo português, mas ouvi dizer que a tua paixão de criança era o motociclismo…
Sim, o meu grande sonho era ser piloto de motos e tive a minha primeira moto com seis anos. Aos 14, comecei a fazer algumas corridas, e, aos 16, o Campeonato Nacional de Enduro. Participei em mais alguns campeonatos e, mais tarde, já com 21 anos, é que passei para os automóveis.
A tua entrada nos ralis começou numa brincadeira, correto? Conta-nos um pouco essa história em torno de um Renault Clio 16v que alugaste para o Rali Montelongo.
Na altura tinha acabado de vencer o troféu da KTM em 1999 e depois fui convidado pela marca para ir à Áustria visitar a fábrica. Nessa altura da minha vida, nunca tinha sido profissional de motos e queria mudar um bocadinho a forma de estar nas corridas. Gostava muito das motos, mas não tinha as condições ideais. A mudança passava por tentar participar no Dakar. Estava focado em poder fazê-lo de moto, até que fui ver o Rally de Santo Tirso - que decorre ao pé da casa dos meus pais. Fui com um amigo de escola, vi os pilotos a passarem e pensei para mim próprio: ‘Talvez fosse uma boa experiência para mim’. Em boa altura aconteceu e, com alguns conhecimentos que tinha, aluguei um carro a uma pessoa amiga, que foi precisamente esse Clio. Era pouco competitivo na altura, mas era o possível. Fomos fazer a segunda prova do campeonato a Fafe e ficámos em 2.º. Não ganhámos pela inexperiência, mas foi um excelente resultado. Pensei em continuar, fizemos mais provas e fui logo campeão no ano de estreia.
Abriste essa porta dos ralis e decidiste continuar. Porquê? Foi o sucesso imediato que te levou a querer mais?
De facto tive uma boa entrada nos ralis, fui desde cedo competitivo e tive muitas pessoas que me ajudaram. Nunca estagnei e todos os anos evoluí. Fiz o Campeonato de Promoção onde venci, depois o Campeonato de Consagrados, onde participei num troféu mono-marca da Citröen, que venci também. No ano seguinte fui logo convidado para piloto oficial da Citröen. Tive muita felicidade por dar passos largos na carreira rapidamente, que me permitiu chegar a um campeonato internacional, vencer títulos de campeão do mundo, etc… Mas também estive no local certo à hora certa e os resultados apareceram para ajudar.
Em 2003 chegou o teu primeiro título como campeão nacional absoluto de ralis? Foi o mais especial, por ter sido o primeiro?
Sim, foi muito especial. O carro que nós tínhamos era um carro de duas rodas motrizes, um carro oficial, e o Campeonato Nacional é misto, com terra e asfalto, e nós sabíamos que na fase do asfalto íamos sofrer muito. Conseguimos sempre uma performance muito boa e consegui dar esse título à Citröen. Foi muito bom para a marca, muito bom para mim, e deu-me bastante notoriedade para mais tarde ir para outros voos.
O sucesso não parou dentro de portas e pode dizer-se que Portugal ficou pequeno demais para aquilo que desejavas. Foi portanto um passo natural a aventura internacional no Campeonato do Mundo de Ralis de Produção, em 2007?
Antes disso, em 2005, passei da Citröen para a Mitsubishi Portugal, onde tinha o desafio de correr com um carro do Grupo N. O objetivo era ser campeão nacional e se o conseguisse daríamos o passo para o Mundial. Vencemos cá o Campeonato Nacional em 2005 e 2006 e fomos para o Mundial. Foi um passo de gigante, um desafio enorme. Fomos aprender aquilo que era o Mundial e mais tarde conseguimos alcançar dois títulos. Tudo depois da experiência de andar lá, de perceber como é que aquilo funcionava, de adaptarmos o carro às provas do Mundial.
Armindo Araújo no Rally de Portugal numa corrida a contar para o Mundial de Produção© Getty Images
Esse primeiro ano no Campeonato do Mundo de Produção foi particularmente difícil para ti em termos de resultados. Sentiste, em algum momento, dúvidas nas tuas capacidades para vingar lá fora?
Nunca senti. Enquanto piloto sempre tive uma grande velocidade, uma grande performance, mas não conseguíamos aguentar os três dias da competição. Foi uma fase difícil porque ainda era inexperiente e a própria equipa também não tinha experiência em provas do Campeonato do Mundo. Quando andávamos em provas, andávamos bastante bem e até chegámos a bater o recorde do Rally do Japão à geral, mas algumas vezes os resultados finais não aconteciam. Foi preciso algum tempo para a máquina, digamos assim, ficar oleada. Tivemos de perceber qual era a receita certa para vencer no Mundial.
WRC? Paguei caro o não comprometimento total por parte da MINI e tive um revés na minha carreiraAcabaste por provar exatamente que tinhas o que era preciso para vencer e conquistaste por duas vezes o campeonato do mundo de ralis de produção. Consideras que foi o ponto mais alto da tua carreira?
Foram pontos muito importantes. O título mundial é sempre um título mundial. Temos sempre as nossas vitórias do dia-a-dia, os meus títulos com a Mitsubishi, os títulos mundiais, a minha própria ida para a MINI foi uma vitória muito grande. Contudo, quando olhamos para trás achamos que algumas das opções não foram as melhores. Ainda assim, o projeto da Mitsubishi foi um grande projeto que me deu dois títulos mundiais e sem dúvida foi uma das melhores equipas onde estive e que me deu alguns dos títulos mais importantes da carreira.
Entraste no WRC e atingiste o topo no que diz respeito aos ralis. As coisas não foram fáceis durante aqueles dois anos, mas como descreverias a tua passagem pelo Mundial?
Conseguimos as condições mínimas para poder correr com a MINI, que estava a entrar no WRC. Aparentemente era uma marca que ia entrar com bastante força. Na prática isso não aconteceu e, infelizmente, fui levado numa corrente negativa. Quando a marca não investe, quando não está a dar tudo de si para desenvolver um carro competitivo e ganhador, nós somos levados por arrasto e foi isso que me aconteceu. Paguei caro o não comprometimento total por parte da MINI e tive um revés na minha carreira, sem dúvida.
Armindo Araújo no Rally da Suécia em WRC© Getty Images
Estavas na competição certa, mas na equipa errada?
Neste momento é fácil dizermos isso, mas na altura também foi a única porta que se abriu. Foi a única hipótese que tinha para entrar no WRC. Hoje sei que não era a opção certa, mas também sei que era a única que tinha.
Em todo o caso, não é qualquer piloto que entra no WRC. Farias tudo outra vez?
Sim, sempre dei o meu melhor, passei muitos sacrifícios para ter a carreira que tive. Tento ser o mais sério possível e isso reflete-se nos patrocinadores que tenho há já 20, 15 anos. Somos uma família… Todas as parcerias têm tido sucesso e neste momento sou o piloto com mais títulos de ralis em Portugal, o maior vencedor de Rallys de Portugal… Fizemos um bom trajeto, estou no ativo, estou à frente do Campeonato Nacional, e acho que a seriedade com que encaramos o trabalho tem dado os seus frutos.
Tens inúmeros títulos no currículo e já várias provas realizadas cá em Portugal e também a nível internacional. Mas há alguma que te tenha marcado em particular?
Olha, sabes… Com tanta experiência no mundo automóvel, nós temos uma visão periférica daquilo que fizemos em toda a carreira. Há muita coisa que guardo e há países que tive a felicidade de correr, que não é comum um piloto ter essa oportunidade. Correr na Nova Zelândia, Austrália, Lapónia, Japão, Arábia Saudita… Tive experiências fantásticas e são estas memórias que vamos guardando. Sinto-me um felizardo por ter tido estas oportunidades na minha vida.
Parei por cinco anos, mas cheguei a pensar que a pausa seria permanenteO desporto motorizado tem sempre um perigo associado, por mais segurança que os novos tempos possam trazer. Em algum momento, em algum despiste que tenhas tido, chegaste a temer pela vida e consequentemente colocar um ponto final na carreira?
Felizmente, nunca tive esse pensamento. Obviamente que todos nós, pilotos, já tivemos acidentes mais ou menos graves. Nunca tive um demasiado grave, mas o meu pensamento foi sempre que o bater faz parte da profissão. Ter acidentes faz parte da minha profissão e encaro isso como uma lição. É uma aprendizagem, mas acredito que se algum dia um acidente mais grave acontecer talvez seja um indicador que está na hora de parar. Até hoje, felizmente, nunca aconteceu.
Em 2012 decidiste fazer uma pausa de vários anos. Porquê e o que pensaste na altura? Era mesmo uma pausa que querias fazer?
Na altura parei porque o projeto MINI parou completamente. Eu e a MINI incompatibilizámo-nos devido à postura da marca e decidi retirar-me do projeto. Naquele momento não havia condições para ter um projeto ao nível daqueles e decidi que, sem um projeto de qualidade onde me reconhecesse, não iria avançar. Decidi então parar, parei por cinco anos, mas até pensei que fosse uma paragem permanente. Até que no final de 2017, houve uma aproximação à Hyundai. Chegámos facilmente a um entendimento e decidi fazer o Campeonato Nacional de 2018. Foi um projeto arrojado, com um carro que nunca tinha conduzido, uma categoria nova, uma equipa nova e eu estava parado há cinco anos. Eram muitas incógnitas no ar, mas acreditei no meu valor, nas pessoas que achava que deviam estar comigo, e conseguimos ser logo campeões nesse ano de regresso.
Foi como se tivesse sido o primeiro título de Campeão Nacional?
Sim! Teve um sabor a regresso. Depois de estar afastado tanto tempo, também quis demonstrar que a minha velocidade ainda estava lá, que a minha competência estava lá. Consegui voltar a estar competitivo logo no ano de estreia, indo contra tudo aquilo que diziam. Foi muito gratificante para mim e sei que para a Hyundai também foi. Foi um sentimento de dever cumprido.
Este ano tem sido certamente diferente de todos os que já passaste na carreira. Chegaste a pensar que não iria haver competição?
Os ralis e a Federação fizeram um excelente trabalho. Tivemos confinamento geral e quando o futebol regressou, nós também conseguimos regressar às corridas. Temos feito o Campeonato e falta agora uma última prova. Conseguimos continuar a correr, o que foi muito bom para todos e também para os investidores, que puderam ver o retorno do dinheiro investido, enquanto outras competições pararam quase por completo. É muito gratificante para a minha disciplina.
Armindo Araújo no Rali Vinho Madeira durante esta época© Team Armindo Araújo
E qual é o ponto de situação do campeonato nacional? A última prova vai realizar-se?
O Rally do Algarve era para ter acontecido há duas semanas. Foi adiado para o fim de semana de 18 e 19 de dezembro e neste momento essa data mantém-se em cima da mesa. Não é garantido que a prova possa acontecer, mas se acontecer será lá a decisão do título. Caso não possa ser realizada, sou declarado campeão porque neste momento lidero com uma vantagem de nove pontos e meio.
Para quem não acompanha tanto o mundo dos ralis e esta disciplina, como é que é a preparação de um piloto, física e mental, como é a preparação de uma época…
Nos últimos anos, em Portugal, têm sido os pilotos a montar os projetos para as marcas ou montar o seu próprio projeto desportivo. No final de 2019 decidi sair da Hyundai e em 2020 criei um projeto meu, com toda a minha identidade e com toda a minha responsabilidade em termos financeiros e desportivos. Aluguei uma equipa, a Racing Factory, e fui buscar o financiamento aos meus patrocinadores e montámos um carro que achámos que era o mais competitivo. Tentei fazer um projeto mais arrojado, mais livre em termos de comunicação, mais livre em termos de escolhas técnicas e isso permite-me abordar as provas do campeonato de outra forma. Estou muito contente com esta opção comercial, que tem de existir, e depois como piloto marcamos sessões de testes regulares antes de cada prova e, principalmente, antes de casa piso: terra ou asfalto. Vamos com toda a estrutura e engenheiros fazer as afinações para os ralis que vamos ter em seguida. Em termos físicos, cada piloto se prepara à sua maneira, como desportista que é.
E para o futuro, que planos tens?
2021 é um ano em que acho que devo consolidar este projeto em Portugal. É um ano que, com estas questões todas da pandemia, devemos fazer um campeonato tranquilo. Queremos repetir o que temos feito este ano e lutar pelo Campeonato Nacional em 2021 também. Mais à frente, com todo o contexto mais estável, talvez tentemos fazer algumas provas no estrangeiro. Para já o objetivo é ser campeão em 2020 e, se conseguir, revalidar o título no próximo ano.
Quem quiser trabalhar para chegar ao WRC terá sempre aqui um grande apoianteMesmo para quem não acompanha ralis, certamente já ouviu falar no nome de Armindo Araújo. Consideras que foste um dos grandes embaixadores da modalidade em Portugal, tal como o Rui Madeira?
Acho que sim. Os nossos resultados, a nossa forma de estar, todos os valores que carregamos vão tendo impacto na sociedade. Quanto atingimos objetivos de relevo começamos a ser figuras mais vistas e, assim sendo, temos sempre de ter algum cuidado com a mensagem que passamos para a sociedade. Tenho tido esse cuidado e reconheço que o que tenho feito no desporto é valorizado por muitas pessoas. E, sim, assumo essa responsabilidade, tal como me orgulho daquilo que fiz ao longo da minha carreira.
Gostavas de ver outro projeto nacional, com outro piloto português, no WRC? É que neste momento não parecem haver grandes perspetivas para isso acontecer.
Realmente não estamos numa fase em que tenhamos ninguém na calha para poder ter um projeto internacional nos ralis. Isto da pandemia também veio atrasar um pouco esse processo. A curto-prazo não há ninguém, mas apoiarei, dentro das minhas possibilidades, todo e qualquer piloto que tenha essa ambição e que queira trabalhar para lá chegar. Terá sempre aqui um grande apoiante.
Este foi um ano muito bom para o desporto motorizado, nomeadamente na velocidade. Miguel Oliveira, Félix da Costa, Filipe Albuquerque, Henrique Chaves, Miguel Ramos, F1 e MotoGP cá em Portugal… Houve muito destaque a nível internacional, mas por que achas que nos ralis não houve tanto essa projeção?
Nós não temos tido isso porque o WRC é um campeonato muito caro. E na velocidade, por exemplo, há muitos campeonatos que são feitos por equipas. Isto é, o piloto não está a correr sozinho e consegue dividir muita coisa com os seus colegas de equipa por carro. Enquanto que o WRC é muito mais individualista, e logisticamente é tudo muito mais complicado em termos financeiros. Todos os meus colegas, que mencionaste, tiveram todo o mérito este ano, mas a verdade é que os ralis e o WRC estão numa fase extremamente cara, o que não tem permitido levar ninguém tão longe como podíamos levar.
Muitos títulos, muitas provas realizadas, muitas memórias e 20 anos de carreira é o que já levas. Como gostarias que recordassem o Armindo Araújo quando já não estiveres na competição?
Pelo sucesso que atingi no desporto. Pelos valores que sempre tentei passar enquanto desportista e pessoa. Obviamente que há quem goste mais, quem goste menos, mas o desporto é mesmo assim. O próprio Cristiano Ronaldo, que é um atleta fenomenal, há portugueses que o adoram, outros nem por isso. Sabemos que não podemos agradar a todos, mas dei sempre o meu máximo, dei sempre tudo aquilo que pude e, por isso, sinto-me de consciência tranquila com o que fiz no desporto todos estes anos.
Armindo Araújo ao volante do seu Skoda Fabia R5 Evo© Team Armindo Araújo
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