Moradores do 2.º Torrão angustiados com incerteza dos dias pós demolição
Num clima tranquilo, mas com uma angustia latente, dezenas de moradores do bairro do 2.º Torrão, na Trafaria, no concelho de Almada, assistiram hoje à retirada de parte dos seus bens das casas que vão ser demolidas.
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Casa 2.º Torrão
Hoje era o "dia D", o último dia estipulado pela autarquia para que as pessoas abandonassem as casas que se encontram junto à vala de drenagem de águas pluviais e que corre o risco de colapsar.
Algumas já o tinham feito durante esta semana, tendo a autarquia do distrito de Setúbal procedido à demolição imediata das habitações.
A partir de sábado e até ao dia 06 de outubro estão programadas as restantes demolições e consequente realojamento temporário de 60 famílias.
Os trabalhos que se realizaram hoje de manhã ocorreram sem sobressaltos e sem policiamento.
Ao todo, terão se ser demolidas 83 das construções daquele que é um dos maiores bairros clandestinos às portas de Lisboa, que há cerca de 40 anos se começou a formar ilegalmente, uma condição que se mantém, assim como as carências habitacionais, a falta de luz, de esgotos ou de limpeza nas ruas.
Marta, uma angolana a residir no bairro desde 2019 explicou à agência Lusa que está angustiada por não saber para onde irá viver com três filhos, garantindo que não está incluída no grupo de famílias com realojamento.
"Eu trabalho e faço os meus descontos, mas não tenho dinheiro para alugar uma casa. Estou angustiada", disse.
Helena Carvalho, uma outra moradora do bairro, oriunda de S. Tomé e Príncipe, assistia com ar entristecido à agitação de carros e funcionários da Câmara de Almada que embalavam e transportavam os bens de algumas casas.
"Para onde é que eu vou agora? Sei que a minha casa vai ser demolida a 04 de outubro, mas não tenho para onde ir, não tenho meios financeiros para arranjar casa", explicou, contando que veio para Portugal porque a filha estava doente, com um problema oncológico, e que uma pessoa a deixou ficar na casa que agora vai ser demolida.
Durante a manhã de hoje, a circulação de pessoas, entre as quais os vereadores da habitação, Filipe Pacheco, e da Proteção Civil, Francisca Parreira, da Câmara de Almada (PS) e a vereadora sem pelouro Joana Mortágua (BE), fazia-se essencialmente na avenida da Torre Alta, local onde está instalado o projeto Fábrica dos Sonhos.
A Fábrica dos Sonhos, um espaço com um projeto pedagógico dirigido às crianças, que pertence à Associação Cova do Mar e que presta apoio social no Bairro do 2.º Torrão, é uma das construções a demolir.
A presidente da Cova do Mar, Alexandra Leal, explicou à Lusa que a associação foi notificada em 07 de junho e que, desde esse momento, entraram em negociações com a autarquia para o realojamento da Fábrica dos Sonhos.
"À data de hoje, a negociação ainda não terminou. O protocolo ainda não está assinado e não temos tão pouco as chaves do novo espaço proposto", disse, adiantando que, por enquanto, vão montar uma tenda no bairro para poder ajudar e acompanhar as pessoas.
"Queremos continuar a dar apoio as famílias a vários níveis e estar o mais próximo possível", frisou.
A vereadora da Proteção Civil, Francisca Parreira, assegurou aos jornalistas que as famílias vão ser acompanhadas pelas equipas multidisciplinares da autarquia no que respeita ao realojamento.
Segundo Francisca Parreira, nove agregados familiares já estão realojados temporariamente e há mais 27 que já têm uma solução habitacional aceite pelos próprios.
Alguns destes moradores que vão ser realojados através do programa Porta de Entrada -- Programa de Apoio ao Realojamento Urgente, cofinanciado pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), terão de permanecer alguns dias em unidades hoteleiras de Almada ou de Lisboa, até que sejam formalizados os respetivos contratos e possam ocupar as novas casas.
No que respeita a outras 16 famílias que ainda não têm alojamento, a vereadora assegurou que a Câmara de Almada encontrará soluções.
"Até amanhã [sábado] terão soluções encontradas por parte dos parceiros da proteção civil e da Câmara Municipal de Almada", disse, assegurando que a autarquia tem acompanhado todas as famílias sinalizadas e está a acompanhar casuisticamente cada família "para que ninguém fique para trás".
Francisca Parreira disse compreender a ansiedade e a preocupação, assim como as alterações das condições de vida, mas defendeu que é preciso ter consciência do risco do colapso da vala.
A necessidade de realojamento urgente de dezenas de famílias do bairro do 2.º Torrão deve-se ao risco de derrocada de 83 construções edificadas em cima de uma linha de águas pluviais que foi encanada.
Devido a esse risco, a Câmara de Almada decidiu declarar situação de alerta e ativar o Plano Municipal de Proteção Civil naquele bairro.
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