Crianças tailandesas presas em gruta inspiraram livro de Teolinda Gersão
A escritora Teolinda Gersão afirmou que o caso dos jovens tailandeses que estiveram "presos" numa gruta, no ano passado, serviu de mote ao seu livro de contos 'Atrás da Porta e outras histórias', que chega hoje às livrarias.
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"Tocou-me muito aquela história das crianças tailandesas que ficaram, com o seu instrutor, 18 dias, naquela gruta, com fome, frio e todas as dificuldades: se sairiam dali, se iam ser encontradas, depois era dificílimo sair daquela gruta, e foi aquela luz interior, da sua religião, que é o budismo, a sua força interior, através da meditação, que os fez salvarem-se contra todas as hipóteses adversas, e eu pus isso como mote ao livro", disse Teolinda Gersão, em declarações à agência Lusa.
'Atrás da Porta e outras histórias' reúne 14 contos, e sucede a 'Prantos, Amores e Outros Desvarios' (2016), também um livro de contos, mas a autora adiantou que está a trabalhar já no seu próximo livro, que será de novelas.
Em declarações à agência Lusa, a escritora reconheceu que "há uma inquietação nestes contos", e explicou em seguida: "Essa inquietação, que é minha e que a quero despertar nos leitores, porque é essa inquietação que leva a crer que as coisas mudem, e que melhorem".
"Passamos a ter consciência das coisas -- prosseguiu -, e, quando sabemos uma coisa não podemos deixar de a saber, e isso produz uma grande mudança: [pois] não se pode, ao mesmo tempo, saber e não saber".
"E no momento em que tomamos consciência de uma certa realidade, vamos querer que as coisas melhorem", sentenciou.
Referindo-se ao conto que dá título à antologia, "Atrás da Porta", no qual um homem divaga sobre o estado do mundo no consultório de um psiquiatra, confrontando-o com algumas verdades num discurso aparentemente simples, diz que assim é, "pois, há coisas que entram pelos olhos dentro, mas ninguém as vê". Teolinda Gersão argumentou que "isto acontece há milénios na literatura".
"Acontece nas comédias gregas, em que se dizem muitas verdades, acontece em Gil Vicente, com a figura do 'parvo', ou a do 'bobo' em [William] Shakespeare, que dizem grandes verdades, e neste conto é uma personagem que não sabemos se é doente mental ou não é, provavelmente não é, mas é uma personagem ingénua e a situação é inusitada, e todo aquele diálogo com o psiquiatra é surreal, mas, no fundo, ele está cheio de razão".
"O que ele diz são verdades grossas como punhos, é a nossa realidade, o mundo parece que enlouqueceu; e, no fundo, é o poder económico ligado ao político que fazem os maiores crimes, cometem as maiores atrocidades, inclusive produzem guerras artificialmente para enriquecer, e é sempre o povo que paga, são sempre os inocentes que pagam".
No conto, o suposto doente mental, que provavelmente não o será, várias vezes insta o psiquiatra: "Preciso de saber se estou louco, ou se é o mundo que enlouqueceu".
A escritora defendeu que "há sempre uma maneira de olhar o mundo que não é habitual", e destacou o papel da literatura que "exige um grau muito elevado de atenção ao quotidiano, ao mundo que nos rodeia, e vamos encontrando outras perspetivas das quais não tínhamos consciência".
"Eu tento transmitir isso ao leitor, não estou a querer dar lições a ninguém, nem a ensinar nada a ninguém, se o quisesse fazia um ensaio ou publicaria um panfleto, mas eu quero, enquanto escritora, tocara as pessoas pelo lado da beleza e pelo lado da emoção, e a emoção pode até vir na perspetiva do horrível, mas não deixa de mudar o olhar das pessoas sobre o mundo à sua volta", argumentou.
"A literatura tem essa utilidade, se quisermos. Não é apenas uma maneira de nos distrairmos, de passarmos o tempo, é também uma maneira de aprender a olhar e a entender melhor a realidade do mundo que nos cerca", afirmou.
'O Dador' é o título do conto que abre esta antologia, que, a fechar, tem 'D. Branca e os prestidigitadores', no qual recupera um caso que foi manchete na década de 1980, o da então denominada "banqueira do povo".
Um outro conto, "História Mal Contada", surgiu de uma história que uma leitora sua, advogada, não compreendeu, "não lhe achou a chave e achou tão surrealista que a chocou". "Foi um caso que lhe passou pelas mãos" e partilhou-o com autora, que o conta neste livro, no qual, como garantiu, "quase não inventou nada".
"As histórias foram-me surgindo, não planeio nada", disse à Lusa a autora, que, neste livro, editado Porto Editora, inclui entre outras, 'O Amor Bruxo', 'Visitando o Filho', 'Labirinto' e 'A Criação de uma Criatura'.
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