Na "noite dos tapetes", como é localmente conhecida, os 150 metros de comprimento e três de largura da rua Góis Pinto, vai ser coberta com cerca 15 toneladas de sal, tingido de amarelo e azul.
"O amarelo vai dar cor aos desenhos que retratam o ouro que as nossas mordomas carregam ao peito e o azul, o nosso mar e o Traje de Dó (utilizado em momentos de luto familiar, ou quando algum familiar ia para o estrangeiro, simbolizando a dor pela separação)", explicou, hoje, à Lusa Miguel Lima.
Pelo meio, encaixarão "excertos" do poema de Pedro Homem de Melo. Os moldes, em papel, com partes do texto de "Havemos de ir a Viana", que a fadista Amália Rodrigues imortalizou, serão colocados no pavimento e preenchidos com sal "dourado e azul".
Os temas escolhidos para o tapete deste ano "foram sendo pensados, meses antes, na troca de ideias entre os moradores da rua".
A confeção dos tapetes de sal em seis ruas da ribeira de Viana realiza-se sempre na noite anterior ao dia da padroeira, 20 de agosto, feriado municipal, mobilizando centenas de pessoas, sobretudo moradores daquela zona da cidade.
No total, segundo números da VianaFestas, entidade que organiza a Romaria d' Agonia, são utilizadas mais de 30 toneladas de sal na confeção dos tapetes.
Como manda a tradição, é por estes tapetes que o andor da Senhora d' Agonia irá passar no regresso da também típica procissão ao mar e ao rio.
Operário fabril, Miguel Lima, 30 anos, é o responsável por uma "equipa" de 10 pessoas que vai confecionar o tapete da Gois Pinto. A rua onde nasceu, cresceu e recebeu "dos pais e dos avós" o "testemunho" de uma tradição que, nos dias que antecedem o início da Romaria d'Agonia, na sexta-feira, mobiliza as gentes da ribeira.
"A nossa rua é a principal. As outras cruzam-se com a nossa. É como um rio e seus afluentes", exemplificou.
Miguel Lima começou a participar na tradição "ainda pequeno", tal como os quatros irmãos. Na "noite dos tapetes", que começa cerca das 21:00 do dia 19 e termina cerca das 09:00, do dia seguinte, à "equipa inicial juntam-se familiares e amigos, e o grupo aumenta para as três dezenas de pessoas".
"É um convívio que se estende aos passeios onde as centenas de pessoas vão observando a confeção do tapete, cantando e dançando", explicou.
Aquele número atrai milhares de forasteiros que se perdem pelas tasquinhas da ribeira, animadas durante toda a madrugada com concertinas e cantares ao desafio.
Ao ambiente "único" que se vive naquela noite, acresce a "chieira" (significa orgulho e vaidade) "em ser da ribeira e fazer parte de uma tradição tão importante da cidade".
"Todos gostamos de fazer a rua mais bonita, mas é uma rivalidade saudável", disse Miguel que recorda os tempos de criança, quando a "noite dos tapetes não era como é hoje".
"Antigamente era uma festa mais nossa, de pescadores e moradores da ribeira. Agora a noite dos tapetes é mais conhecida. Vem muita gente para ver. Noutros tempos também havia mais gente na confeção dos tapetes, porque por cada casa havia mais filhos, eram oito ou nove. Agora, um casal só tem um ou dois filhos e não tem mais", acrescentou.
A procissão ao rio e ao mar cumpre-se sempre a 20 de agosto, desde 1968. Já o culto à padroeira dos pescadores tem a sua primeira referência escrita em 1744.
Em 2019, completam-se 51 anos da realização da procissão ao mar e ao rio, em honra de Nossa Senhora d' Agonia. Na segunda-feira, dia 20, feriado municipal, as margens do rio Lima enchem-se. São milhares de pessoas concentradas para ver e saudar a procissão, envolvendo mais de uma centena de embarcações de pesca e de recreio.
Além da Senhora da Agonia, são ainda transportadas ao mar e ao rio as imagens da Senhora de Monserrate, de São Pedro, da Senhora dos Mares e o de Frei Bartolomeu dos Mártires que, desde 2015, passou a integrar a procissão.
No regresso a terra, os pescadores transportam os andores de novo à igreja de Nossa Senhora d'Agonia, situada no Campo da Agonia, passando pelas ruas da ribeira onde, durante a madrugada, foram confecionados, manualmente, os típicos tapetes de sal.