Óscares. Quem escolhe e como votam os 8 mil membros da Academia?

A 92.ª edição dos Óscares realiza-se já na noite do próximo domingo para segunda-feira, em Hollywood, Los Angeles. A Academia volta a homenagear o que de melhor se faz no cinema, mas não sem crítica. Saiba como funciona o processo de votação dentro do órgão que ainda é acusado de deixar mulheres e pessoas de cor à porta.

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© A.M.P.A.S. via REUTERS

Anabela Sousa Dantas
06/02/2020 08:10 ‧ 06/02/2020 por Anabela Sousa Dantas

Cultura

Óscares

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS, na sigla original), que todos os anos entrega os prémios mais prestigiados do cinema, é, neste momento, composta por 8.469 membros, a maior parte nos Estados Unidos, mas com representação em todo o mundo.

A organização profissional dedicada ao cinema, criada há quase 93 anos, nasceu de uma tentativa de Louis B. Mayer, cofundador da MGM, de mediar divergências com os trabalhadores sem os sindicatos e melhorar a imagem da indústria. Juntamente com uma associação de produtores e outros notáveis da área, convidou dezenas de pessoas do cinema para uma reunião, onde acabou por nascer a atual Academia.

A Academia é regida pelo Conselho de Governadores e está dividida em 17 ramos artísticosatores, diretores de casting, produtores, realizadores, diretores de fotografia, executivos, profissionais de marketing e relações públicas, profissionais de curtas-metragens e animação, argumentistas, diretores de som, profissionais da música, etc. - e mais duas categorias - membros honorários e associados –, para elementos com contribuições no cinema mas que não se enquadrem em nenhum dos 17 ramos.

Artigo III, Secção 1. A filiação é feita por convite do Conselho de Governadores. Os convites para adesão são limitados a pessoas no ativo nas artes e ciências cinematográficas, com conquistas no ecrã reconhecidas, ou que tenham alcançado outra distinção nas artes e ciências cinematográficas e que, na opinião do Conselho, sejam qualificadas para filiação.Todos os 17 ramos artísticos, sublinhe-se, têm um comité executivo que toma as decisões no que respeita à admissão dentro daquela área. Todos têm regras diferentes para admissão, com fatores de exclusão que vão desde os anos de profissão (para profissionais da caracterização, por exemplo), ao número de filmes no currículo (para realizadores, por exemplo) até aos próprios filmes em que se trabalhou (no caso dos atores, por exemplo, os filmes têm que ser "de um calibre que reflita os altos padrões da Academia").

Só se entra na Academia com um convite

A entrada na Academia de Hollywood não acontece com uma inscrição, mas sim por convite, que é feito após deliberação do Conselho de Governadores. Os nomes dos candidatos chegam ao Conselho de duas formas: sendo nomeado para um Óscar ou por apadrinhamento, ou seja, o nome de um candidato é sugerido por, pelo menos, dois membros da Academia.

Este segundo cenário – o de apadrinhamento – não é simples. Qualquer membro da Academia pode sugerir um nome por ano e apenas dentro do ramo da indústria a que pertence (atores sugerem atores, realizadores sugerem realizadores, diretores de fotografia sugerem diretores de fotografia e por aí em diante). Quando um nome é sugerido por, pelo menos, dois membros, esse candidato recebe um email onde lhe é solicitada informação adicional. Esse nome só segue para deliberação pelo Conselho de Governadores depois de receber uma avaliação positiva por parte do comité executivo do respetivo ramo artístico, que tem que decidir se essa pessoa “alcançou distinção singular, ganhou mérito especial ou fez uma contribuição notável”.

Notícias ao MinutoKirk Douglas, no set de 'Spartacus', a enviar o seu boletim de voto para a 33.ª edição dos Óscares, em 1960.© Getty Images

Ser-se nomeado para um Óscar é uma espécie de entrada pelo próprio pé. Porém, não é uma entrada automática, continua a ter que respeitar as regras de admissão do seu ramo artístico. O Conselho depois reúne todos os candidatos aprovados, faz a deliberação final e envia o convite, sendo que este processo acontece anualmente (o processo de envio de nomes por cada ramo artístico, este ano, termina a 27 de março).

No caso dos associados e membros honorários, estes podem ser apadrinhados por, pelo menos, dois membros de qualquer ramo artístico e são avaliados pelo Conselho de Governadores. Os membros honorários podem apadrinhar outros membros honorários e associados, ao passo que os associados apenas podem apadrinhar associados.

Como funcionam as nomeações e as votações finais?

Ao contrário do que se possa pensar, os membros da Academia não escolhem nomeados em todas as categorias. As nomeações na maioria das categorias são votadas pelos membros do respetivo ramo artístico (realizadores votam na Melhor Realização, figurinistas no Melhor Guarda-Roupa, etc). Algumas categorias, como Melhor Filme Internacional ou Melhor Filme de Animação, têm regras diferentes. Há uma exceção: todos os membros da Academia podem votar nas nomeações para a categoria de Melhor Filme. A votação para as nomeações é feita em dezembro e em duas fases: uma preliminar, que resulta nas 'shortlists', e outra final, que resulta nas nomeações finais. Todos estes resultados são contabilizados externamente, pela consultora PricewaterhouseCoopers (PwC).

Notícias ao MinutoConsultores da PwC preparam o envio de boletins de voto aos membros da Academia para a votação final (fotografia de 2010, relativa à 82.ª edição dos Óscares).© REUTERS/Mario Anzuoni

A votação final - para o Óscar - é feita entre o final de janeiro e o início de fevereiro, e aqui sim, todos os membros podem votar em todas as 24 categorias. Todas as votações podem ser feitas online ou por correio, mas a Academia explica que a grande maioria dos membros vota pela internet.

Notícias ao MinutoExemplo de um boletim de voto da 79.ª edição dos Óscares, em 2007, conforme é enviado aos membros.© REUTERS/Chris Pizzello

Os votos são contabilizados por apenas dois consultores da PwC, que selam os envelopes e levam-nos até ao Dolby Theatre, onde se realiza a cerimónia. São as únicas duas pessoas a saber os resultados até à abertura dos envelopes.

Notícias ao MinutoMartha Ruiz e Brian Cullinan da PwC, à esquerda na imagem, depois da já histórica troca de envelopes que levou ao anúncio de 'La La Land' como Melhor Filme, em 2017, quando o vencedor era 'Moonlight'. Warren Beatty, à direita, atarantado.© REUTERS/Lucy Nicholson

Academia prometeu mudar, e mudou. Mas não o suficiente

No ano passado, a Academia, pela primeira vez na sua história, enviou convites a um número igual de homens e mulheres para integrar o corpo votante. Dos 842 profissionais do universo do cinema a entrar na organização, metade eram mulheres. O próprio número de admissões feitas pela Academia tem aumentado gradualmente nos últimos cinco anos. Em 2018, foram introduzidos um recorde de 928 novos membros, quando em 2014 e 2015 entraram 271 e 322, respetivamente. Este será um esforço para introduzir ‘sangue novo’ numa organização que tem sido severamente criticada pela falta de diversidade, tanto na questão de género como de cor.

O ano de 2016, o ano dos #OscarsSoWhite, marcou o começo de uma nova fase para a organização, pelo menos, no plano das intenções. A onda de críticas que se levantou nesse ano, pela falta de diversidade, obrigou a organização a mudar algumas regras e a prometer duplicar a percentagem de mulheres e de pessoas de cor até 2020.

Notícias ao MinutoEm quase 93 anos de existência, cinco mulheres foram nomeadas na categoria de realização. Apenas uma ganhou: Kathryn Bigelow, por 'Hurt Locker', há dez anos. No mesmo espaço de tempo, foram nomeados seis homens negros. Nenhum ganhou.© REUTERS/Gary Hershorn

A Academia convidou 2 mil novos membros desde 2017 e anunciou, no ano passado, que a percentagem atual de membros do sexo feminino é de 32% (era 25% em 2015) e que 16% são pessoas de cor (era 8% em 2015). Números que ficam aquém e que continuam a não verter nas nomeações, estando esta 92.ª edição dos Óscares novamente sem nenhuma mulher entre os melhores realizadores, num ano em que vários filmes realizados por mulheres foram favoritos do público e da crítica - ‘Little Women’, ‘The Farewell’, ‘Hustlers’, ‘Queen & Slim’, ‘A Beautiful Day in the Neighborhood’, etc. Filmes que, excetuando 'Little Women, de Greta Gerwig, e ‘A Beautiful Day in the Neighborhood’, de Marielle Heller, ficaram mesmo fora das nomeações.

Este ano, estão nomeadas 62 mulheres nas 24 categorias - quase um terço do número total de nomeados e um número recorde nas últimas 92 edições dos Óscares. O esforço é um sinal positivo no sentido de equilibrar a balança. Coincidentemente, é a mesma proporção de mulheres que compõe a Academia: quase um terço. Será quase um terço feminino um reflexo fidedigno da face atual do mercado? 

Segundo um levantamento feito pela Guardian esta semana, nos seus 92 anos de história, a Academia fez mais de 10 mil nomeações. Se forem removidas as nomeações dos homens, as de equipas com homens e mulheres e as que são exclusivas para mulheres, restam 14%. Sim, em mais de 10 mil nomeações, apenas 14% escolheram mulheres.

A 92.ª edição dos Óscares realiza-se no próximo dia 9 de fevereiro, a partir do Dolby Theatre, em Hollywood. A emissão será transmitida em Portugal na noite de dia 9 para dia 10 (domingo para segunda-feira) através dos canais FOX (transmitida com comentários em português) e FOX Movies (na versão original).

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