Apareceram em 1995 e ao longo de 25 anos de carreira, tornaram-se um dos nomes incontornáveis da música nacional. Passaram por várias fases, mudaram de membros, de aparência e até de nome. Quiseram reinventar-se e renascer.
Os Blasted Mechanism - agora apenas Blasted -, abandonaram a imagem extraterrestre e, mais em contacto consigo próprios enquanto banda e com outra maturidade, sentiram que estava na altura certa para responder a um novo desafio: O Festival da Canção.
Pedro Valdjiu, guitarrista e membro fundador da banda, esteve à conversa com o Notícias ao Minuto, sobre a carreira e caminho feito até aqui. Partilhou ainda a expectativa que o grupo tem para o festival.
‘Rebellion’, a música que escolheram para apresentar no Festival da Canção, como é que a descrevem?
É uma música que nasce do impulso de honrar, como uma espécie de tributo a todos os movimentos que têm erguido e dado voz à consciência ecológica e aos direitos humanos e da Terra, à justiça climática. Então decidimos criar um tema com dois andamentos diferentes - uma parte mais calma, que é quase uma observação da Terra a morrer, digamos assim e uma parte mais rápida, mais forte, onde até mudámos o andamento da música no refrão - onde apelamos a essa rebelião interna em cada ser humano para poder marcar a diferença.
Acho que todos os seres humanos estão a passar por uma crise e por uma certa ansiedade porque os meios de comunicação têm mostrado realmente que há um problema, bem como as redes sociaisÉ uma homenagem aos movimentos ativistas que têm surgido?
Sim, é uma homenagem a esses movimentos, mas também a todas as ações internas de cada um de nós. Acho que todos os seres humanos estão a passar por uma crise e por uma certa ansiedade porque os meios de comunicação têm mostrado realmente que há um problema, bem como as redes sociais, e isso cria uma consciência, mas também criou bastante ansiedade e sinto que está na hora de irmos à procura de soluções e de encontrarmos soluções, porque o problema já toda a gente conhece.
A música foi composta de propósito para o Festival da Canção?
Sim, a música foi feita para o festival. No entanto, a minha base de guitarra da parte da balada nasce quando era novo, toquei esta música quando conheci a minha companheira, numas férias românticas na Madeira, onde comecei esta ‘malhinha’ de guitarra e nunca fiz nada com ela. No dia em que nos juntámos no estúdio para celebrar este convite, fora da régie, no sofá do lounge do estúdio, comecei a tocar esta música, até porque eu toco sempre isto quando pego numa guitarra. E o Riic Wolf, o nosso vocalista, disse que era muito bom e começou a fazer uma melodia por cima. Assim acabou por nascer a música toda à volta.
Foi interessante, porque esperei muitos anos para ver impressa essa música.
Ficámos super contentes e aceitámos de imediato porque se conseguirmos passar esta barreira da língua - vamos cantar um tema em inglês (...) - acho que chegando à Eurovisão temos algumas hipóteses de brilharComo reagiram ao convite da RTP para participarem?
Ficámos muito surpreendidos. Mas acho que os Kalashnikov ou o Conan [Osiris] abriram as portas para nós, porque quando era novo o Festival da Canção era um festival com que eu não tinha muita ligação, porque na altura andava a ouvir Rage Against the Machine e Pantera, rock pesado, e obviamente tinha ainda esta carga da minha infância.
Entretanto, percebi que ao longo destes últimos tempos tem sido dada uma oportunidade a outro tipo de música e de artistas. Por isso neste momento para nós, e para os nossos fãs que sempre quiseram ver os Blasted internacionalizados, é uma oportunidade para que isso aconteça. Ficámos super contentes e aceitámos de imediato porque se conseguirmos passar esta barreira da língua - porque vamos cantar um tema em inglês, e decidimos fazê-lo porque caso contrário não estaríamos a ser autênticos - acho que chegando à Eurovisão temos algumas hipóteses de brilhar, penso eu.
O vosso tema é o único dos 16 que não é cantado em português? Não têm receio de que isso seja um obstáculo para uma possível vitória?
Não está nas nossas mãos essa decisão. Agora, tinha mais receio de não sermos autênticos e de estarmos a vender-nos. O nosso vocalista, o Riic Wolf, não canta em português, é uma desgraça a cantar em português [risos]. Cresceu em Singapura, a primeira língua dele é inglês e é incrível. Acho que encontrámos um vocalista mesmo bom, é o terceiro vocalista dos Blasted e canta mesmo bem.
Por isso tivemos de tirar o melhor de cada um de nós, inclusive, de mim próprio que trouxe a sonoridade da guitarra portuguesa, que é um legado cultural que queremos levar para a Europa e tenho visto as reações do público internacionais e estamos em primeiro lugar de muitas seleções de vídeos lá fora e falam muito da guitarra portuguesa, por isso acho que no fim do dia temos de nos deitar e independentemente de ganharmos ou não temos de sentir que somos autênticos.
Vamos nós próprios vestidos com uns fatos desta geração do ‘New Militia’, que são fatos mais sóbrios, já não estamos tão extraterrestres ou tribais Porque é que escolheram ser, além de compositores, intérpretes da vossa música?
Vou dizer uma coisa que vai fazer rir. Nem sabíamos que podia ser de outra forma, para nós somos compositores e intérpretes das músicas desde sempre. Quando fui à apresentação, comecei a ver os outros e aí é que me lembrei que dava para escolher outro intérprete [risos]. Mas para nós fazia sentido sermos nós a tocar as nossas músicas.
Tinha de se enquadrar obrigatoriamente no vosso tipo de som?
O processo de produção musical não é um projeto muito consciente. Não nos sentamos e tomamos decisões com princípios desse género, começamos a compor e as coisas vão acontecendo e de repente a música surge.
Estamos na ‘casa’ 'Redmojo' e com os produtores Diogo Guerra e Stego construímos uma identidade que soa a Blasted, felizmente. Tomamos decisões nomeadamente sobre a linha mais dramática que entra a meio da música, com um órgão de igreja, que anteriormente era uma guitarra pesadíssima a fazer a mesma riff e foram os produtores que teve a ideia de brincar um bocado com o dramatismo do órgão e ficou mesmo bem. As decisões são tomadas, mas não com base em cedências.
Para mim, que levo os Blasted pela mão há mais de 25 anos, era mesmo uma oportunidade de internacionalizar a bandaA vossa componente cénica e visual sempre foi uma parte muito importante das atuações, o que podemos esperar para o festival?
Aí há limitações. Quando comecei a sonhar com o festival achei que podia levar mais gente e tínhamos ideia de fazer uma série de coisas. Entretanto há várias normas, não podem estar mais de seis pessoas em palco, por exemplo, que condicionam um pouco a atuação. No entanto, temos refletido sobre isso e chegámos à conclusão que somos uma banda de rock, temos a nossa própria identidade e o que vamos fazer não é mais do que isso mesmo.
Obviamente o show de luzes e vídeo é da RTP e fizemos um briefing onde partilhamos as nossas ideias e acho que vai complementar muito bem o espetáculo. Mas vamos nós próprios vestidos com uns fatos desta geração do ‘New Militia’, que são fatos mais sóbrios, já não estamos tão extraterrestres ou tribais e vamos fazer uns updates nos fatos, mas é isso que vamos levar. É a identidade de uma banda tal como ela é.
Os Blasted sempre sofreram por estar no mercado português, que é um mercado com limitações, obviamenteQue expectativas têm?
Passamos por várias fases, numas vamos ganhar, outras em que achamos que não. Há sempre uma expectativa interna e é uma projeção daquilo de que gostaríamos. Claro que gostávamos de ganhar, quando se concorre a um concurso a ideia é um bocado essa.
Para mim, que levo os Blasted pela mão há mais de 25 anos, era mesmo uma oportunidade de internacionalizar a banda. Tenho ouvido muitos comentadores da Eurovisão a dizer que acha que se fôssemos ao festival ficávamos pelo menos no top 5 das músicas mais votadas e isso obviamente é uma janela aberta para a indústria musical lá fora.
Os Blasted sempre sofreram por estar no mercado português, que é um mercado com limitações, obviamente. Investimos muito ao longo da nossa carreira para tentar o mercado lá fora, já estivemos assinados na maior do mundo, já estivemos nos melhores festivais, mas falta sempre dinheiro, basicamente. Porque internacionalizar uma banda é muito caro.
Sentiram que nunca houve esse investimento da parte das discográficas?
Nunca houve, porque as discográficas portuguesas tinham sempre o mercado português. O que houve foi investimento próprio e de algumas pessoas que estavam a trabalhar connosco como agentes ou managers, mas também muito limitados, mas levou-nos ao Glastonbury [Reino Unido], ao Rock for People [República Checa], ao Fusion [Alemanha], levou-nos a tocar em palcos enormes para milhares de pessoas a adorarem os Blasted. Agora, daí a conseguirmos ter depois imprensa, editar os discos, ter agentes locais, etc, é muito complicado. Vemos nesta oportunidade, se calhar, uma das últimas grandes oportunidades de levar Portugal para o mundo.
Um artista hoje em dia precisa de usar as cartas todas do baralho. Quando vamos a jogo temos de usar tudoNesta altura da vossa carreira estava na altura do Festival da Canção?
Sim, faz mais sentido também porque é uma mostra para Portugal e para os portugueses e, neste momento, também precisamos disso. De utilizar estes meios mais ao nosso alcance. Um artista hoje em dia precisa de usar as cartas todas do baralho. Quando vamos a jogo temos de usar tudo e esta é uma carta muito forte porque este é um festival que entretanto ganhou uma identidade diferente daquela que tinha que era de música ligeira romântica. Só a música do Conan Osiris e o visual dele já estava muito mais à frente. Acho que quem convidou os Blasted também viu em nós uma identidade que pudesse fazer um momento televisivo diferente, que pudesse marcar.
Quando fizeram 25 anos lançaram um filme-concerto, o ‘New Militia’ filmado no NOS Alive, em Julho de 2018, como é que surgiu essa ideia?
Estávamos há cerca de três anos na 'Redmojo', com o Emerson Ferreira, a tentar reinventar a banda, porque 25 anos depois já tínhamos dado tantas voltas que estávamos relativamente perdidos. Quando tentámos fazer dois discos não estávamos a sentir que era o que queríamos fazer e acabaram por ir para o lixo. Nessa mesma altura tive uma conversa com o Álvaro Covões sobre os Blasted e surge da parte deles o convite para irmos ao NOS Alive e em cerca de dois meses e meio decidimos fazer um projeto completamente novo, de raiz, não tocar repertório antigo, fizemos músicas todas novas, fizemos fatos novos, ter um vocalista novo. Alguns membros da banda saíram. Decidimos mesmo reinventarmo-nos.
Vai ser impossível deixar cair o nome por completo, mas foi mais como um ritual de reinvenção. Foi um rito de passagemDepois decidiram encurtar o nome por que foram conhecidos até agora para Blasted apenas, o que é que isso representou para vocês?
Vai ser impossível deixar cair o nome por completo, mas foi mais como um ritual de reinvenção. Foi um rito de passagem. Ao longo das nossas vidas vamos tendo a falta de rituais de passagem na nossa sociedade há poucos. Em algumas culturas ancestrais há mais. Acho que uma banda também pode passar por esses ciclos e fazer aquilo que nos faz sentir autênticos.
O concerto foi muito bom, o filme ficou bom, está no Youtube para se poder ver e em 25 anos nunca fizemos nada com tanta qualidade e tão homogénio.
Sentem que renasceram?
Para mim, uma nova banda começou ali naquele palco, porque realmente tivémos momentos muito interessantes na nossa carreira, mas nunca consegui levar a banda àquele auge. Há muitos fãs que não se reveem nisso, para os quais os Blasted morreram ali, já não é a cena deles. No entanto, venham outros fãs e foi interessante que esta passagem pelo NOS Alive acabasse por nos fazer chegar aqui ao Festival da Canção.
Qual é o tipo de público dos Blasted hoje em dia? É o mesmo desde o início que entretanto ficou mais velho, são jovens?
Os nossos concertos estão sempre cheios, à pinha mesmo, um mar de gente de várias idades. Gente jovem, se calhar a partir dos 18/20 anos, não temos aquele público teenager e depois lá no meio conseguimos identificar algum pessoal mais velho que são os que já nos conhecem desde novos e que cresceram connosco.
Mas hoje em dia o mercado está a ser gerido ou alimentado por uma camada de público muito jovem que por vários motivos ainda não acordaram para Blasted. Se isso era bom? Claro, o nosso público é todo único, toda a gente conta.
Se o gosto individual muda, porque é que o gosto de um grupo não pode mudar? Porque é que não deixam um grupo crescer e evoluir? Não vamos estagnar, não estamos congelados nos anos 90 Houve vários elementos da banda a sair, outros novos que foram entrando, houve uma mudança de imagem, de nome. Não têm receio de perder público dessa forma?
Não nos cabe a nós fazer parte dessa decisão. Quem abandona, escolhe abandonar, mas há mais pessoas a entrar e gostar de Blasted. Quando há mudanças seja na banda, nos elementos, não é uma coisa que seja fácil, são sempre relacionamentos que se transformam e há sempre períodos de transição dolorosos, ponderamos parar, ponderamos continuar. No entanto, quem fica cá, quem tem levado barco dos Blasted, encontra novas forças para continuar. Temos muito público que gostava que estivéssemos a fazer exatamente o que fizémos em 1996, mas tal como nós, os Faith No More também, outras bandas também. Os Pearl Jam ainda agora lançaram um álbum que dividiu completamente o público, são odiados por metade do público porque editaram um disco diferente que não é grunge.
Há uma pergunta que gosto de fazer a estes fãs que vou encontrando que é: Se estão a fazer o mesmo que faziam há 25 anos ou se os seus gostos não mudaram. Se o gosto individual muda, porque é que o gosto de um grupo não pode mudar? Porque é que não deixam um grupo crescer e evoluir? Não vamos estagnar, não estamos congelados nos anos 90.
A mudança de visual em que abandonaram a imagem mais extraterrestre e optaram por um tipo de indumentária mais sóbria é uma aceitação da vossa essência? De quem são enquanto banda? Ou há outro motivo?
Representa várias coisas. Uma delas é: Hérnias nas costas [risos].
Os fatos foram sempre um problema gigante, mesmo quando queríamos internacionalizar a banda. Os festivais não pagam carga extra, depois manter os fatos vivos era muito difícil e ao longo dos anos foram-se deteriorando. Depois havia a questão do peso, do suor dentro dos fatos, era realmente complexo. Há ainda há um fator mais interessante que é: tenho 45 anos, não consigo fazer aquilo que há 10 anos, 15 ou 20 fazia, deixa de fazer sentido, tenho outra cultura, tenho outra maturidade. Se não tivesse estaria altamente preocupado com a minha evolução espiritual. Nesse sentido resolvemos fazer uma coisa com onda, mas mais sóbria e fomos à procura de fatos e acabámos por conseguir com um estilista da Demobaza.
O termos deixado de representar essa cultura extraterrestre e tribal acabou por ser uma libertação. Acabamos por ter mais energia agora.
Fizeram uma paragem de cerca de cinco anos a determinado momento da vossa carreira, porquê?
Em 2008 sai um dos vocalistas, ainda tivemos de estar a tentar encontrar outro. Calha com a saída do Karkov, com a entrada do [Pedro] Lousada, com o fazermos festivais e tours internacionais.
Já ganharam prémios, foram nomeados para outros, tocaram em festivais e deram concertos pelo mundo. O que é que falta fazer?
Ganhar a Eurovisão. Depois disso, o meu código genético vai-se cruzar com o da Madonna e vamos ser reis do mundo e do submundo musical [risos]. Estou a brincar, não era por aí que iria.
Os Blasted atuam na primeira semifinal do Festival da Canção, a 22 de fevereiro.