Mais de 500 artistas brasileiros, incluindo Caetano Veloso e Chico Buarque, assinaram um manifesto de repúdio às declarações de Regina Duarte, depois de ela minimizar as mortes e a tortura da ditadura militar.
No documento, lançado no sábado à noite, artistas, escritores, músicos, produtores e intelectuais defendem a democracia, "a independência das instituições" e rejeitam a "tortura" praticada durante o regime militar que governou o país de 1964 a 1985.
Na última quinta-feira, Regina Duarte, responsável há dois meses pela Secretaria Especial da Cultura do Brasil, no governo de Jair Bolsonaro, retiro aos assassinatos e torturas praticados durante a ditadura militar no seu país, e minimizou as mortes de artistas durante a pandemia do novo coronavírus.
Em entrevista à CNN Brasil, a secretária da Cultura afirmou que "é preciso olhar para o futuro", "amar o país" e não "coletar coisas que aconteceram nas décadas de 1960, 1970 e 1980".
"Sempre houve tortura, censura", afirmou, numa conversa em que também trauteou "Pra Frente Brasil", música associada à ditadura. "Não era gostoso cantar isso?", questionou.
Em relação ao coronavírus, Regina Duarte disse que a pandemia trouxe uma "morbidade insuportável" ao país e que "quem fica arrastando fileiras de caixões não vive".
Criticada por não ter emitido nenhuma nota de pesar, numa altura em que personalidades da Cultura brasileira morreram, devido a infeção pelo coronavírus SARS-CoV-2, Regina Duarte disse que não ia "virar obituário".
"Vocês estão desenterrando mortos, vocês estão carregando um cemitério nas costas", afirmou, dirigindo-se ao entrevistador e aos 'pivots' da emissão da CNN Brasil.
As declarações da secretária geraram uma enxurrada de críticas de vários setores da sociedade, culminando na publicação do manifesto.
"Somos parte da maioria que entende a gravidade do momento em que vivemos e pedimos respeito pelos mortos e por aqueles que lutam pela sobrevivência no país devastado pela pandemia e pela terrível ineficácia do poder público", escrevem os artistas no manifesto.
Os subscritores acrescentam que não toleram "crimes cometidos por nenhum Governo", repudiam "corrupção e tortura" e não querem "o retorno da ditadura militar".
"Somos parte da maioria que não aceita ataques repetidos à arte, ciência e imprensa, e que não admite a destruição do setor cultural ou qualquer ameaça à liberdade de expressão", enfatizam.
Finalmente, os artistas expressam que pertencem à "maioria que repudia as palavras e atitudes de Regina Duarte como Secretária da Cultura: Ela não nos representa".
Os músicos Rita Lee, Emicida e Fafá de Belém, os escritores Luiz Fernando Veríssimo, Julian Fuks e Ignácio de Loyola Brandão, o realizador Fernando Meirelles, os atores Adriana Esteves, Fabio Porchat, Malu Mader, Marieta Severo e Zezé Motta, a jornalista Marília Gabriela, a antropóloga Lila Schwarcz e o encenador Zé Celso estão entre os 512 subscritores iniciais, aos quais já se juntaram mais de cinco milhares, segundo o jornal Folha de São Paulo.
Além do manifesto, artistas também escreveram críticas a Regina Duarte nas redes sociais.
"Se recusar a ouvir uma opinião contrária logo depois de enaltecer os tempos de ditadura me causa muito medo. Até porque eu e muitos dos meus amigos seríamos os primeiros censurados caso esse regime voltasse ao Brasil e nós continuássemos no exercício do nosso trabalho", escreveu a cantora Anitta num comentário no Instagram da secretária de Cultura do Governo brasileiro.
A atriz Débora Bloch compartilhou a entrevista também no Instagram com uma legenda crítica à gestora da política cultural brasileira.
"Você não tem humanidade Regina Duarte? Que vergonha, que horror, que triste...", escreveu a atriz, que entrou em "As Pupilas do Sr. Reitor" e o público português conhece desde a década de 1980, quando entrou em "Cambalacho". Nos comentários, Bloch foi apoiada por outros artistas de renome como Miguel Falabella, Mel Lisboa, Fernanda Abreu, Martnália e Dira Pais.
Desde que o Presidente, Jair Bolsonaro, tomou posse, em janeiro de 2018, o Governo brasileiro está a mudar as diretrizes da política cultural do país e escolheu pessoas que se autodeclaram conversadoras para gestão do setor.
Antes de Regina Duarte assumir a Secretaria de Cultura, a tutela foi entregue a Roberto Alvim, um encenador que tinha o apoio do Governo brasileiro, mas acabou demitido depois de citar parte de um discurso do ex-ministro nazi Joseph Goebbels em um vídeo criado para anunciar as regras de um prémio.