"É como o primeiro dia do resto das nossas vidas”. É assim que Cristina Branco define o gradual regresso à normalidade, depois de seis meses que impuseram muitas dificuldades de forma transversal. “Temos de que nos refazer, temos que encontrar novas formas de aprender a viver”, concede a cantora, em entrevista ao Notícias ao Minuto, onde falou sobre o seu regresso aos palcos e sobre o álbum ‘Eva’, lançado na véspera da pandemia e, portanto, também ele confinado nos últimos meses.
O lançamento de ‘Eva’, a 20 de março, coincidiu com o início da pandemia do novo coronavírus em Portugal, que acabou por resultar num dos períodos mais negros para a classe artística. Cristina Branco fala de um impacto “gigantesco”. “Acho que não vai ouvir uma resposta diferente da minha classe. Foi catastrófico, foi uma hecatombe na vida de toda a gente, uma coisa completamente inesperada, sobretudo para quem vive sine die”.
Embora o impacto negativo da pandemia tenha sido generalizado, a classe artística foi das que mais se fez ouvir, pela situação sem precedentes em que ficou com a ausência de público. “Eu senti que havia um desamparo total desta classe”, diz, sublinhando que os efeitos se fizeram sentir “de hoje para amanhã”, como “se tivesse caído uma bomba na nossa casa”.
Questionada sobre se a pandemia poderá ter exposto, de forma definitiva, fragilidades que sempre existiram na classe, Cristina é perentória: “Com certeza, isso até é capaz de ser benéfico, para que as pessoas percebam que é necessário tomar medidas relativamente esta classe. Porque há de facto desamparo. Eu ouço histórias mirabolantes de pessoas que estão a passar realmente mal, muitas dificuldades”.
"O público faz muita falta, não é preciso tocar, mas é preciso vê-los"
Para Cristina Branco, a pandemia poderá ter sido especialmente implacável no comportamento do público, relativamente às idas a espectáculos, “algo que estava a ganhar balanço no nosso país”, disse. “Cada vez mais as pessoas iam às salas”, sublinha, sendo que agora “vão ter que ser tomadas medidas de forma a reforçar a confiança nas pessoas”.
Não é só a confiança do público que está em causa, porém. “A minha confiança enquanto cantora mudou. Comecei a pensar como é que ia fazer, com esta voz que estava dentro do meu corpo. Como é que vou poder comunicar aquilo que tenho aqui, que acabou de ser feito? Confrontou-me e confronto-me todos os dias, tenho que confessar. Aquilo que sinto é que tenho as emoções num carrossel, há momentos em que acredito que as coisas vão ser restabelecidas, obviamente não nos mesmos moldes, mas restabelecidas, e outras em que acho que nada vai ser igual e que em breve estaremos todos a passar por aquilo que passamos em março”, confessa, denunciando a aura de incerteza de que está revestido o futuro.
A cantora relembra, ainda, a incontornável importância do público ao vivo, uma importância paralela às receitas dos espetáculos. “Há um bom tempo atrás costumava dizer que cantar era cantar, uma necessidade grande para mim, mas que podia fazê-lo sem ter público, sem as pessoas. É efetivamente uma coisa muito pessoal, mas o público faz muita falta. As pessoas são precisas, não é preciso tocar, mas é preciso vê-las, sentir aquela energia. É muito importante”.
Concertos pós-pandemia - um conceito que poderá ser definitivo
O primeiro contacto de Cristina Branco com o público aconteceu no passado dia 12, no Castelo de São Jorge, num concerto de Jorge Palma, mas será em Loulé, a 5 de outubro, que a artista fará o seu primeiro evento pós-pandemia em nome próprio - um momento que aguarda com expectativa. “É uma emoção muito grande voltar ao palco, confesso, mas acho que estamos todos muito sensíveis - de técnicos a músicos, toda a gente que trabalha connosco, é uma situação muito delicada, o que vai fazer com que os concertos sejam muito especiais também, certamente”.
O concerto estará preparado para responder às exigências das autoridades, por causa das medidas de proteção, algo que se antevê fazer parte do futuro deste tipo de eventos. Quando questionada sobre os concertos terão que ser, definitivamente, pensados de forma diferente, mantendo-se exequíveis, a cantora responde que sim. “É um grande incógnita, mas há essa grande possibilidade, e não é impossível. Eu própria já fiz o teste, já fui a vários concertos, no fundo para tentar perceber como é que é essa realidade do lado de cá e é hiper-confortável”, afirma.
“Não estou aqui a puxar a brasa à minha sardinha, mas muito honestamente senti-me muito mais segura numa sala de concertos, naquele ambiente, nas saídas e entradas e na higienização das coisas do que num supermercado, por exemplo”, acrescenta, sublinhando que, pelo menos durante algum tempo, “é uma coisa possível de acontecer”.
'Eva', um trabalho cheio de "coisas muito pessoais"
O novo disco de Cristina Branco chama-se ‘Eva’, mas nada tem de bíblico. Trata-se antes do nome de um ‘alter ego’ que “nasceu há cerca de 13 anos como forma de um diário”, explica a artista. “É uma tentativa de me encontrar comigo, fruto de eu ser muito reservada, por exemplo, não tímida, mas reservada. Coisas que eu tinha que melhorar no fundo. Acho que nós estamos sempre em progressivo melhoramento. Estava sozinha, estava numa época em que queria perceber que passos dar a seguir na minha vida. E achei engraçado dar um nome a uma personagem”, disse.
O disco é um trabalho cheio de “coisas muito pessoais”. “Todo o disco é um pouco isso: passei dois diários a todos os autores. Passei o diário da Eva e um mais recente da Cristina, uma coisa mais na primeira pessoal, do ano 2018/19. É muito pessoal, eles tinham esses dois diários para se guiarem, no fundo é falar da minha pessoa ou da minha trajetória individual mas pela mão deles, pela visão deles, desses dois diários, especificamente”.
O tema de estreia, que se chama ‘Delicadeza’, fala “da situação de esforço, do combate social que o ser humano tem que fazer para se estabelecer enquanto indivíduo”. “Porque se torna cada vez mais difícil sermos sensíveis, sermos diferentes. E ‘Delicadeza’ é isso, não é só um discurso no feminino, é um discurso para todas as pessoas que procuram o seu lugar no mundo”, explicou.
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