Prémio Nobel da Literatura conhecido amanhã depois de anos de polémica
O Prémio Nobel da Literatura é anunciado na quinta-feira por uma Academia Sueca ainda fragilizada pelas polémicas dos últimos anos, e que, a acreditar nas casas de apostas, deverá este ano olhar para fora da Europa.
© Getty Images
Cultura Nobel
A escritora Maryse Condé, natural de Guadalupe, território francês situado no mar das Caraíbas, a russa Lyudmila Ulitskaya, o japonês Haruki Murakami -- um dos nomes recorrentes entre os favoritos -, a canadiana Margaret Atwood e o queniano Ngugi Wa Thiong'o, lideram a lista dos mais cotados deste ano, segundo o Nicer Odds, 'site' que agrega as tendências das casas de apostas.
A favorita, Maryse Condé, é uma autora negra, feminista e ativista, difusora da história e da cultura africana nas Caraíbas, conhecida por uma obra versátil - ficção histórica, contos, romances, ensaios, poemas, entre outros géneros -, que questiona as atrocidades cometidas durante e após o colonialismo.
O seu nome surge num ano em que as questões do racismo e do colonialismo voltaram a ganhar destaque, tornando-se um dos temas mais importantes da atualidade mundial, em muito impulsionadas pelo assassinato do norte-americano George Floyd por um polícia, um acontecimento mediático que veio destapar uma ferida antiga nunca sanada.
A ser escolhida, esta não seria uma vitória totalmente inédita, já que em 2018 Maryse Condé foi distinguida com o prémio alternativo ao Nobel da Literatura, atribuído pela Nova Academia sueca, criado para protestar contra o cancelamento, nesse ano, do Prémio Nobel da Literatura.
O retrato de Maryse Condé enquanto possível laureada também serve a Jamaica Kincaid, outra autora nascida numa ilha do mar das Caraíbas (Antígua), conhecida por explorar questões atuais como o racismo, o colonialismo e o género, e que é sugerida pelo editor de cultura do principal diário sueco, Björn Wiman, em declarações à AFP: "Se a Academia souber o que é bom para ela, escolherá Jamaica Kincaid".
O seu nome também figura na lista dos favoritos das casas de apostas, embora apareça em 15.º lugar, sendo antecedida por outros, quase todos de autores não europeus.
Entre estes encontram-se a canadiana Anne Carson, o sul coreano Ko Un, os chineses Yan Lianke e Can Xue, e os norte-americanos Cormac McCarthy, Don De Lillo e Marilynne Robinson.
Os dois únicos escritores europeus a ocuparem um lugar entre os 15 primeiros favoritos nas apostas são o espanhol Javier Marias e a francesa Annie Ernaux.
Muitas vezes criticada por estar demasiado concentrada na Europa, que ganhou cinco dos últimos seis prémios de literatura, a Academia poderia este ano olhar para fora do velho continente, sugere a crítica literária sueca Madelaine Levy também à agência France-Presse.
Fora daquilo que são os favoritos das casas de apostas, todos os anos aparecem nomes, muitos deles recorrentes, apontados como possíveis e prováveis candidatos.
É o caso das norte-americanas Joan Didion e Joyce Carol Oates ou, na Europa, do húngaro Péter Nádas, o albanês Ismaïl Kadaré e o romeno Mircea Cartarescu, tal como o francês Michel Houellebecq, um dissecador do mal-estar ocidental.
Este ano surgiu também o nome da romancista histórica britânica Hilary Mantel, autora da trilogia "O espelho e a luz", com a qual arrecadou dois Prémios Booker (com os primeiros volumes) e foi finalista com o terceiro título.
Além da expectativa criada em torno do nome vencedor daquele que é um dos prémios Nobel que todos os anos mais atenções concentra -- a par com o da Paz -, este ano a outra grande questão que se coloca é se, para a literatura, 2020 significará o fim da polémica.
Após a controversa escolha de Bob Dylan em 2016, a Academia Sueca foi apanhada pela agitação de um escândalo sexual e de crimes financeiros que a dividiu tanto que teve de adiar a atribuição do prémio de 2018, o primeiro em mais de 70 anos.
A polémica rebentou no final de 2017 com denúncias de 18 mulheres a um diário sueco, de que teriam sido vitimas de abuso sexual por parte do artista Jean-Claude Arnault, que foi condenado no final de 2018 a dois anos e meio de prisão por violação.
Ao rebentar o escândalo, a Academia Sueca cortou relações com o artista e pediu uma auditoria, que concluiu que Arnault não influenciou decisões sobre prémios e bolsas.
Contudo, descobriu-se que Katarina Frostenson, mulher do artista e membro do comité que decidia a atribuição do Nobel da Literatura, era coproprietária do clube literário do marido, que recebia regularmente apoio financeiro da Academia Sueca, o que violava as regras de imparcialidade.
O relatório confirmou também que a confidencialidade sobre o vencedor do Nobel foi violada várias vezes.
Após várias demissões e reestruturação dos lugares de topo, em 2019, a Academia premiou o romancista austríaco Peter Handke (nesse ano o Prémio referente a 2018 foi atribuído à escritora polaca Olga Tokarczuk), o que gerou forte controvérsia, devido às conhecidas posições pró-sérvias do escritor, durante a guerra na ex-Jugoslávia, tendo, inclusivamente, levado a principal associação de vítimas do genocídio de 1995 em Srebrenica a acusá-lo de defender responsáveis por crimes de guerra e a pedir a retirada do prémio.
Este ano a atribuição do Prémio Nobel fica marcada pelo cancelamento da tradicional cerimónia presencial de entrega dos galardões, agendada para 10 de dezembro em Estocolmo (capital sueca), pela primeira vez desde 1944 (durante a Segunda Guerra Mundial).
Por causa da pandemia causada pelo novo coronavírus, a solução encontrada foi a realização de uma cerimónia quase inteiramente 'online', à exceção de uma reduzida plateia que estará no edifício da câmara de Estocolmo.
Em julho, a fundação já tinha anunciado o cancelamento do tradicional jantar de gala em honra dos laureados, que se realiza anualmente em Estocolmo, no mês de dezembro.
Anteriormente, este banquete só fora cancelado durante as duas Guerras Mundiais e nos anos de 1907, 1924 e 1956.
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