Cinema brasileiro vive "momento de revolução"

O cineasta brasileiro João Paulo Miranda Maria, que apresenta 'Casa de Antiguidades' no Curtas Vila do Conde, disse à Lusa que o cinema no Brasil está "no momento de uma revolução", que pode gerar "uma nova vanguarda".

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Lusa
10/10/2020 13:22 ‧ 10/10/2020 por Lusa

Cultura

João Paulo Miranda

um momento difícil, mas um momento que nos inspira a fazer um cinema mais forte ainda. Vejo-me como um cineasta muito mais inspirado e motivado quando vejo que tenho um grande desafio pela frente, e o desafio acaba por ser toda esta questão política. Vejo que é o momento de uma revolução. Se esta geração brasileira der bons passos, estamos a dar início a uma nova vanguarda", afirma, em entrevista à Lusa, o cineasta nascido em 1982.

Com a primeira longa-metragem da carreira, 'Casa de Antiguidades', criou "quase uma alegoria" para o lado ultraconservador do Brasil, com problemas de "racismo, machismo" e outros relacionados com discriminação.

A longa-metragem 'Casa de Antiguidades' abriu o festival Curtas Vila do Conde, no qual João Paulo Miranda Maria é júri.

O "momento difícil" de que o realizador fala prende-se com a presidência de Jair Bolsonaro, cujo governo está a "registar vários cortes" em apoios à produção cinematográfica, algo que foi dinamizado em executivos anteriores e que, na sua opinião, levou ao surgimento de filmes e cineastas brasileiros com grande destaque no palco internacional nos últimos anos.

Essa "credibilidade" que vê granjeada pelos novos talentos, crê, vai trazer "alternativas criativas para viabilizar os próximos projetos", e Miranda Maria tem já dois outros filmes em produção, financiados por apoios internacionais.

Para aclarar a ideia de uma "nova vanguarda", à imagem de movimentos como a Nouvelle Vague, o neorrealismo italiano, o Cinema Novo brasileiro ou o cinema português, o realizador define-os como "movimentos onde cineastas foram mais ao encontro do seu povo, às dores e sofrimento desse povo, e lutou pelas causas, por esses que sofriam e estava à margem da sociedade".

"Criaram, não apenas pelos conteúdos e histórias", mas também "uma linguagem singular, própria, para combinar com aqueles anseios", completa.

Há hoje em dia, defende, uma multiplicidade de questões, do "feminicídio ao movimento negro, os índios, toda a questão ambiental", que fazem parte do "povo que os artistas precisam de defender", assim como "os trabalhadores e os mais oprimidos".

"É nesse ponto de vista que vejo como missão, enquanto artista, denunciar e criar comoção, para pensar sobre tudo isto e, ao mesmo tempo, uma linguagem própria, particular, nos filmes. É um cinema de risco [que faço], e aqui estou a falar de posições de câmara, da linguagem de interpretações... é uma linguagem própria", atira.

Para o brasileiro, "não adianta fazer um 'filme Netflix' com o tema da revolução". "Isso é uma besteira. Não vai mudar nada. Temos de mudar a própria forma de filmar, como outras vanguardas fizeram", comenta.

Mantendo o papel dos artistas que "sempre tiveram este ofício de denunciar e provocar mudança e autorreflexão", não só "pelo conteúdo, a história e a questão política e social, mas pela forma, pela linguagem", o cineasta quer que o Brasil possa viver esse tipo de "revoluções estéticas na arte", perante "momentos de crise".

"É um momento muito delicado, no sentido em que os artistas são vistos pelo governo atual como inimigos, e nós, em vez de nos acobardarmos, estamos cada vez mais a ter coragem de enfrentar, de fazer um cinema mais forte. (...) Como é que queremos a sociedade de amanhã, após a crise [pandémica]? O meu papel, de responsabilidade, é de realmente fazer um cinema que milite por uma mudança social", reforça.

O impacto pandémico da covid-19, lamenta, "agravou mais ainda" a divisão no Brasil, mesmo sendo "uma coisa mundial", mas espera, ainda assim, que possa trazer "um momento de forte reflexão" até para o cinema, porque as pessoas que estiveram confinadas "vão começar a sentir falta do cinema, de estar nos festivais, de estar no templo do cinema".

"Vai também criar uma demanda e necessidade de retorno a um cinema de autor, que reconquiste o seu público e mostre o cinema como arte e não um entretenimento para ver no telemóvel. Pode ver no telemóvel, não tem problema, mas é preciso ver o seu templo, a sala do cinema. (...) As pessoas estão à espera dessa oportunidade de renascer, é uma oportunidade do mundo de renascer, de repensar vários valores", remata.

A 28.ª edição do Curtas Vila do Conde decorre até domingo naquela cidade do distrito do Porto, com um total de 261 filmes entre secções competitivas e não competitivas.

 

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