As 18 obras selecionadas para integrar o livro agora editado pela Circo de Ideias dividem-se em habitação unifamiliar, habitação multifamiliar e equipamentos como a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, a Casa Zeferino Cruz, em Luanda, e as Cooperativas de Aldoar, no Porto.
No texto com que abre o livro, confessa que "meio século separa o primeiro do último" projeto, mas hoje tem "a sensação de ter estado a fazer sempre o mesmo".
Correia Fernandes considera que desenhou sempre casas: "Do ponto de vista metodológico, não há diferença nenhuma. Todas as obras carregam histórias individuais, entre aspas, histórias de muita gente", explicou à Lusa.
É a "eternidade" dessas histórias que aponta como a principal diferença entre projetar um equipamento e um espaço de habitação.
"Uma casa tem intimidades que um edifício público não tem. Uma casa tem uma relação pessoal insubstituível entre os vários membros de uma família, é sempre de uma família, seja ela pequena ou grande, tem um conjunto de ligações e funciona um pouco para a eternidade, ao passo que, num equipamento, as pessoas passam por lá. Quem o utiliza como local de trabalho ou quem o utiliza como serviço tem uma relação diferente", concretiza.
Das casas que desenhou, "até hoje, só duas delas já esgotaram os primeiros 30 ou 40 anos de vida e mudaram de mão".
O arquiteto está agora, em ambos os casos, "a trabalhar na reabilitação para uma nova família", o que lhe dá a oportunidade de "reentrar numa casa, retirar um conjunto de características que andavam em volta das opções feitas na altura e introduzir novas ideias, novos programas".
Correia Fernandes orgulha-se de ter ficado "sempre amigo" das pessoas para quem projetou, e refere que conhece "muita gente", porque fez muita habitação coletiva "nessas operações ligadas à habitação, que são as cooperativas", onde vivem familiares e amigos seus.
"São mais de 400 amigos que tenho ali", atira.
Projetos como o das Cooperativas de Aldoar têm a ver com uma coisa" que, para o arquiteto, "é importante, que é o conceito de habitação".
"O conceito de habitação nunca se restringe, mas ele é, muitas vezes, conduzido exclusivamente para o alojamento, a nossa cápsula de viver. Do meu ponto de vista, a habitação tem a ver com a cidade. Não há boa habitação que não tenha um conjunto de componentes que a relacionam com a cidade, fatalmente. Há coisas que são estritamente matérias arquitetónicas e há coisas que são de caráter mais sociológico e de caráter mais filosófico", detalhou.
Para esse projeto, como para outros semelhantes, voltou ao "modelo de cidade clássica", fazendo "o regresso à praça, à rua, ao local de passeio" e lembra que se inseriu "num movimento coletivo", consubstanciado pelo SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), mas que foi para além dele.
Agora, "estamos num momento muito negativo, porque, quer a habitação, quer a cidade não tem pensamento associado, sobretudo nas áreas em que se decidem as coisas -- os decisores não têm pensamento sobre a matéria, e os decisores não vão buscar pensamento nem saber onde ele existe".
O arquiteto refere que "o papel da ciência é, sobretudo, criar dúvida e fazer debate" e "não há uma ciência boa e uma ciência má, é só uma".
Também "não há um urbanismo bom e um urbanismo mau -- é só um".
Na sua perspetiva, o urbanismo "é a relação de comunidades organizadas com o território que se pretende organizado".
"E a organização do território, ou dá dicas, ou não dá dicas nenhumas para a organização social. Os dois funcionam em conjunto, se isto não funcionar em conjunto, não há cidade", descreve.
Com o movimento do SAAL, nos anos 70, olhou-se "para a cidade através da habitação, criando um tripé fundamental", que envolvia o Estado, que "tem uma obrigação em termos da construção de espaço público, que não pode delegar em ninguém", o Estado local e as associações de moradores.
Atualmente, "as associações de moradores deixaram de fazer sentido" e "mobilidade", que um programa de habitação pública permite, "em Portugal, não existe".
"Inventou-se qualquer coisa que ludibria completamente as pessoas, no meu ponto de vista, que é a chamada habitação a renda acessível. Renda acessível para alguns, porque, para a grande maioria, para quem não há renda que seja acessível, o Estado e as autarquias deixaram de produzir bens desse tipo", critica.
Correia Fernandes foi também diretor e professor na Faculdade de Arquitetura do Porto e vereador na Câmara do Porto, tendo assumido o pelouro do Urbanismo durante quase todo o primeiro mandato de Rui Moreira. Em todas as suas funções foi arquiteto, admite.
Considera que "hoje não há pensamento da cidade" e a vida "exige permanente análise da realidade, debate, conversa, que é uma coisa que não é de seis em seis anos, é todos os dias", remata.
Manuel Correia Fernandes. 18 Obras é o terceiro livro de uma coleção da Circo de Ideias, editada por Paulo Providência e Pedro Baía, que já se debruçou sobre as obras de Bartolomeu Costa Cabral e Nuno Portas.