Do interior do bairro de Jardim, nos subúrbios de Maputo, onde têm o seu ateliê, até à Praça do Destacamento Feminino, ao pé da Presidência moçambicana, a distância é de seis quilómetros, um percurso que o pintor faz diariamente, com os seus quadros nas mãos, desde que a covid-19 chegou e, com as restrições, quase toda a indústria das artes parou em Moçambique.
"Os meus quadros são normalmente grandes e os autocarros andam normalmente lotados pela manhã. Então os quadros podem amolgar-se ou quebrar-se caso eu tente apanhar os autocarros, então eu prefiro ir à pé. Não é fácil, mas também ninguém disse que seria fácil abraçar a arte", conta à Lusa Simbraz Roberto.
Num momento em que o país entra para a terceira vaga da pandemia, as restrições foram reforçadas, com a proibição de todos os eventos sociais, mesmo os privados, redução significativa de horários do comércio, suspensão das aulas presenciais e reforço no controlo da entrada de estrangeiros no país, o que afetou severamente o turismo e, consequentemente, os artistas.
Com um acumulado que ultrapassou as 1.150 mortes e com mais de 100 mil casos desde março do último ano, as autoridades têm alertado que a situação pode piorar e reforçado o apelo para o cumprimento das restrições, que já têm um impacto direto na classe de Simbraz (os pintores).
O pintor viu o Núcleo de Artes, um dos principais espaços para promoção de artes plásticas na capital moçambicana, ficar às moscas com a eclosão da pandemia.
"Antes da pandemia, eu deixava as minhas obras no Núcleo de Artes e algumas publicava nas redes sociais. Quando chegou a pandemia, o número de clientes baixou. Apareceu uma crise que me obrigou a vender o telemóvel e cobrir algumas despesas. Mas via que ainda tinha dificuldades e aí decidi sair à rua para vender a minha arte", conta o pintor.
O amor pelas cores começa no interior do distrito de Milange, na província da Zambézia, onde nasceu, mas é a vontade de singrar como profissional que o arrasta para Maputo em 2013, tendo-se juntado ao Núcleo de Artes em 2020.
"O meu primeiro material de trabalho foi carvão, que eu pilava e depois usava para pintar sobre os meus cadernos", lembra Simbraz, que teve de trabalhar, primeiro, como segurança para financiar o seu próprio sonho quando chegou à cidade capital.
Hoje, apesar das dificuldades, o pincel continua a sua "arma" para sustentar os seus dois filhos e esposa, "contando histórias educativas com cores" e denunciando as "febres" que afetam a sociedade moçambicana, com temas como a violência terrorista em Cabo Delgado, no Norte, ou o impacto da própria pandemia nos centros urbanos do país.
Embora sob olhar desinteressado da maior parte das pessoas que passam pela Praça do Destacamento Feminino, os seus dois últimos quadros, um com temática da covid-19 e outro que retrata o drama das mulheres afetadas pelo terrorismo em Cabo Delgado, chamam a atenção de quem "realmente gosta de arte".
"Parei [para ver os quadros] porque gostei", diz à Lusa Abel Artur, prometendo voltar para comprar a obra de Simbraz.
Embora por agora sejam só promessas, o pintor é grato quando o seu trabalho capta a atenção de pelo menos um olhar, mantendo viva a esperança de que dias melhores virão.
"Eu presto atenção também para as pessoas que apreciam as minhas obras aqui, agradeço sempre", conclui Simbraz.
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