Nas livrarias desde fevereiro, já apresentado no encontro literário Correntes d'Escritas e em Matosinhos, 'A Última Curva do Caminho' conta, na primeira pessoa, a vida do antigo professor catedrático de Estética e escritor Nicolau Coelho, que escolheu uma pequena vila -- que fica por nomear, tal como o próprio país da ação -- para passar os últimos tempos da vida, após uma rutura amorosa.
Perante uma página em branco no computador, que teima em não se escrever sozinha, ou face às memórias da infância em África ou já fora dela, Nicolau Coelho regressa a um passado que podia ter sido diferente.
"Gostava de ter chegado a dizer a Alba que também dependia dela o ânimo que me fazia sentar diante do computador à procura das palavras certas, bem como a energia para continuar a erguer-me da cama quando chovia ou nos dias em que a vida e os anos me pesavam insuportavelmente; [...] Mas não lho disse e agora é tarde. Já não sinto nada. Espero que o tempo passe e é tudo", pensa o narrador da história.
Fruto de um trabalho desenvolvido ao longo de 11 anos, 'A Última Curva do Caminho' "nasceu de um conjunto de histórias familiares" contadas pela sua avó, disse à Lusa Manuel Jorge Marmelo, tendo uma primeira versão da obra sido finalista do prémio LeYa.
"As versões iniciais estavam mais ligadas à história familiar. Tentei escrever a história mais ligada à minha própria biografia, depois, numa segunda fase, o livro passou a ter como narrador um fotógrafo e só nesta fase final é que apareceu este personagem numa fase terminal da vida", afirmou o autor.
Marmelo sublinhou a importância da bolsa de criação literária que lhe foi atribuída pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas em 2020 e que lhe permitiu dedicar-se em exclusivo à obra durante seis meses.
"Dediquei esses seis meses a desenvolver este personagem e o trabalho a que dediquei mais tempo foi a procura do tom, da frase certa, do ritmo certo, da dimensão literária certa para esta história. Sem essa disponibilidade de seis meses para me dedicar exclusivamente teria continuado a dar voltas a este livro", disse o escritor.
Questionado sobre se a abordagem da morte no livro se relacionou, de algum modo, com a sua própria evolução sobre o assunto, Manuel Jorge Marmelo rejeitou a ideia: "Não tem muito a ver com o meu próprio amadurecimento. É uma perceção que tenho há muitos anos. Fui vendo morrerem pessoas com idades muito diferentes, já perdi primos com 40 anos, amigos com 30, sempre tive muito presente a ideia de que a morte é uma coisa que acontece naturalmente quando estamos vivos".
Manuel Jorge Marmelo afirmou à Lusa nunca ter entendido a "escrita como algo que possa desligar da [sua] dimensão de cidadão", tendo visto sempre a literatura primeiro como "autorreflexão sobre as grandes questões do real e depois como contributos para a reflexão daqueles que venham a ser os leitores".
"As grandes questões da literatura são as mesmas desde há muito tempo. O que muda de uns escritores para os outros são as suas próprias referências que são vertidas para o texto", acrescentou.
'A Última Curva do Caminho' segue-se a 'Tropel', publicado em 2020, e Manuel Jorge Marmelo disse ter já preparado um novo romance, "que lida com questões muito diferentes", em especial as "da aparência e da imagem pública que se cria", com particular relevância no mundo das redes sociais.
Nascido em 1971 no Porto, Manuel Jorge Marmelo estreou-se, em livro, há mais de 25 anos e já conquistou distinções como o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco, em 2004, com 'O Silêncio de um Homem Só', ou o Prémio Literário Correntes d'Escritas 2014 com 'Uma Mentira Mil Vezes Repetida'.
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