Livraria Aberta celebra 1.º ano como espaço 'queer' aberto no Porto

A Livraria Aberta celebra, esta terça-feira, um ano desde que abriu as portas à cidade do Porto enquanto espaço 'queer' "sem julgamento em que as pessoas podem entrar como são, como querem".

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Lusa
27/06/2022 09:35 ‧ 27/06/2022 por Lusa

Cultura

Livraria Aberta

"Essa ideia de um espaço sem julgamento, em que as pessoas podem entrar como são, como querem, e não sentem que têm de esconder alguma coisa, ou parafrasear alguma coisa. Dou sempre este exemplo: quando as pessoas nos fazem reservas de livros, e não podem elas próprias vir buscar... Um menino disse-nos: 'O meu namorado vai aí buscar'. Será que numa outra cadeia de livreiros teria dito isto e não um amigo?", resume, em entrevista à Lusa, o responsável da livraria Ricardo Braun.

Braun tem trabalhado em teatro e cinema e chegou ao projeto ao lado do namorado, Paulo Brás, formado em literatura e com experiência no campo da produção cultural.

Os dois deram corpo à possibilidade "de algo tão simples poder ser dito tão abertamente", como a de um namorado de uma pessoa do mesmo sexo poder ir buscar uma encomenda.

"No meio das grandes lutas, são pequenas conquistas", acrescenta Ricardo Braun.

Na rua do Paraíso, a poucos passos da Igreja da Lapa, as instalações abriram as portas pela primeira vez a 28 de junho de 2021, evocando Stonewall, em 1969, e o Dia Internacional do Orgulho LGBT.

Contudo, a pandemia de covid-19, que até foi terreno fértil para a ideia ser concretizada, acabou por limitar a inauguração e o conceito em torno de programação, encontro e partilha que procuravam para o espaço, razão pela qual agora se preparam para uma "reinauguração", com uma semana de programação em pleno 'mês Pride'.

"Queríamos criar um espaço dos dois, onde pudéssemos continuar outros projetos que temos. Porque isto foi pensado a meio da pandemia. A preocupação primeira foi criar uma coisa que fosse minimamente sustentável. (...) Neste momento, ainda não é inteiramente sustentável, mas continuamos a trabalhar", refere Paulo Brás.

Ao mesmo tempo, "apesar de não haver um grande desejo verbalizado de um espaço destes", procuravam 'atacar' a falta de "espaços 'queer' diurnos", em que as pessoas se possam encontrar durante o dia, reforça Ricardo Braun.

"Um conceito lá de fora que se chamam 'sober spaces'. Que é que tu não tens de ter um espaço para consumir álcool para teres de estar com pessoas 'queer'", comenta Paulo.

Não enfrentaram mais problemas por ser uma livraria 'queer' do que qualquer livraria independente por ser uma livraria independente, garantem.

A localização um pouco mais afastada do centro permitiu "crescer com alguma paz de espírito", experimentar a seleção de livros, a comunicação e os eventos, num sítio em que não se "prega para os convertidos".

"Não é um sítio turístico, é uma rua de trabalho, com as suas próprias dinâmicas. Os senhores das obras, a senhora das obras, a florista, a senhora do café... Nós é que estamos aqui de novo, tivemos de nos adaptar à rua, estamos a trazer pessoas de propósito à rua, a apoiar outros negócios, como outros vão lá e descobrem a livraria. Também me agrada que o senhor de 80 anos do prédio em frente venha espreitar a montra, e a montra é diferente, não conhece os autores. Sentimos que estamos a fazer alguma coisa, não sabemos bem o quê", analisa Paulo Brás.

Um espaço "poroso", aberto a artistas e outras pessoas que queiram partilhar o local, de troca de referências e conversa, é "muito importante", assim como a vontade de lançar mais eventos, continuar a investir na secção infantojuvenil e intensificar o trabalho em rede com a comunidade e outros organismos culturais.

"Temos no Porto uma grande comunidade, mais nas áreas das artes performativas e visuais, uma comunidade alargada. Do ponto de vista literário, nunca tivemos nada especificamente 'queer'. (...) Não criámos isto para suprir uma lacuna. Acho que vem do nosso trabalho. Estudando literatura, eu já estudava o erotismo, a representação da sexualidade na literatura, o exílio. O Ricardo, nos espetáculos que fazia, já tratava autores mais marginais", explica Paulo Brás.

Agora, um ano volvido, parte da programação do primeiro aniversário é mesmo uma "reinauguração", na terça-feira, para "um abraço" sem limitações de lotação ou outras, aproximando o espaço da sua vocação de incluir e partilhar.

A artista visual norte-americana Kate Rhoades, que esteve em residência no Porto, em Campanhã, estará na livraria na quarta-feira, pelas 18:00, para falar do trabalho desenvolvido em busca da população 'queer' mais velha, "do apagamento das vidas LGBT na terceira idade", "e, sobretudo, se percebeu onde encontrar as lésbicas do Porto".

Na sexta-feira, Amândio Reis e Daniel Ferreira apresentam "uma troca de leituras e interpretações mais ou menos 'queer' de textos mais ou menos desviantes em relação a normas e expectativas que variam caso a caso".

No sábado, pelas 18:00, é inaugurada a exposição "Boys Apetite", de Miguel Flor, sobre "o desejo pelo sabor da juventude, o corpo masculino e as suas expressões mais espontâneas".

Entre hoje e 01 de agosto, há uma "não-aula", uma série de sessões informais moderadas por Paulo Brás, pelas 18:00 das segundas-feiras, sobre referências LGBTQ na literatura portuguesa.

A programação é mais focada na comunidade LGBT, mas também há eventos planeados para julho ligados à questão da Palestina e aos estudos pós-coloniais, em linha com a seleção abrangente, que vai de Virginia Woolf e Jorge de Sena e outros nomes consagrados, a autores ligados às questões coloniais, ao feminismo e outros temas interseccionais, que serve tanto de proteção como para agregar comunidades num mesmo projeto.

Leia Também: Polícias vão ter formação sobre direitos LGBTIQ, tal como função pública

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