O dia 8 de junho marcou o retorno de Rosalía ao Porto, depois de já ter atuado na edição de 2019 do Primavera Sound. A cantora espanhola agitou, no segundo dia de festival, o Parque da Cidade invicta e mostrou por que razão é uma das melhores artistas espanholas da atualidade e um dos melhores atos musicais ao vivo por aí fora.
Quando a chuva finalmente deu tréguas, milhares já se encontravam junto ao palco principal e compunham a moldura humana que viria a acompanhar a cantora numa versão condensada - mas, ainda assim, intensa - desta tour.
Em jeito de introdução ao espetáculo, ouve-se 'Matsuri-Shake', da banda japonesa Ni Hao!, surgem em palco um grupo de bailarinos com capacetes luminosos e ouvem-se os motores de uma mota, antes que os fãs tenham, finalmente, o primeiro vislumbre da cantora. Aos primeiros acordes de 'Saoko', Rosalía já tem o público consigo.
De cara limpa e poucos adereços, o espetáculo faz-se sobretudo de coreografias pensadas ao pormenor, uma produção audiovisual que não nos deixa perder 'Motomami' de vista e uma dose de teatralidade ao serviço das canções.
A catalã continua a apresentar o inovador 'Motomami' pelo mundo fora© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
"Obrigada por todo o carinho e amor que me dão", agradeceu, em português, antes de se lançar em 'De aquí no sales/bulerías'.
Durante cerca de uma hora de concerto - que soube a pouco, para quem já tinha assistido há uns meses à passagem da 'Motomami World Tour' por Lisboa ou por Braga - Rosalía serviu desde os êxitos mais enérgicos como 'Bizcochito' e 'Despechá' a baladas tocadas ao piano, exibindo a versatilidade de uma artista que é tudo e de todas as maneiras, do reggaeton ao flamenco ("eh, yo soy muy mía, yo me transformo/ Una mariposa, yo me transformo/ Makeup de drag queen, yo me transformo"... como canta a própria).
Pelo meio, a cantora fala do single lançado esta quinta-feira, 'Tuya', mas segue viagem sem o incluir no repertório do dia.
TUYA TOMORROW pic.twitter.com/fOiJ18Yg6a
— R O S A L Í A (@rosalia) June 7, 2023
A vida de Fred é feita de ultrapassar obstáculos, até em palco
O segundo dia de Primavera Sound Porto, já com os cinco palcos a funcionar em pleno, ficou marcado também pela passagem de um dos maiores fenómenos da música eletrónica, Fred Again..., que colocou a multidão a mexer-se.
Em nome próprio, trouxe-nos a trilogia de 'Actual Life' - um diário, como descreveu, criado durante a pandemia - que junta trechos de conversas no Facetime, pedaços de canções e mensagens de áudio que viraram obra-prima de música.
O produtor britânico fintou os problemas técnicos com o sampler de forma sublime e transportou o público do charco de lama em que se transformou a colina do palco Vodafone para uma pista de dança.
Arlo Parks e The Mars Volta tiveram a difícil tarefa de segurar a multidão frente ao palco principal debaixo de chuva - a primeira a embalar-nos com algumas das canções do seu mais recente disco 'My Soft Machine' e os segundos a apresentar um cocktail de rock progressivo, música latina e influências de jazz.
Depois da boa receção em Paredes de Coura em 2022, Parks foi recebida em apoteose no palco Porto© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
A britânica recordou o concerto do ano passado como "um dos melhores" da sua vida, mas acabou por garantir que este não lhe ficou atrás: "É oficialmente o melhor concerto de sempre", admitiu, perante uma ovação enorme que afastou a chuva e trouxe um arco-íris sobre o Parque da Cidade.
Palco Super Bock tornou-se na 'capital' do indie
Depois do inesperado sucesso de 'Expert In A Dying Field', havia muita expectativa para o que traziam ao vivo os neozelandeses The Beths, uma banda que lançou finalmente as asas ao mundo depois de ficar fechada na Nova Zelândia durante a pandemia. A abrir o palco Super Bock numa altura de céu limpo e sol brilhante, a banda liderada por Elizabeth Strokes deu um clássico concerto de indie rock (meio indie, meio rock, com algumas pitadas de punk pelo meio) que animaram os festivaleiros a chegar ao recinto.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, numa conversa a lançar mais tarde, a banda admitiu o alívio pelo bom tempo e falou da boa (e exaustiva) experiência de percorrer o mundo. O guitarrista, Jonathan Pearce, explicou ainda que o público de um festival é sempre desafiante, já que muitas pessoas não conhecem a banda, pelo que a grande multidão no espaço intimista do Super Bock foram uma surpresa agradável para o grupo de Auckland.
Elizabeth Stokes, dos The Beths, é a autora das músicas do aclamado 'Expert in a Dying Field', que catapultou os neozelandeses para o mundo© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
Mas é impossível falar em indie rock sem falar dos Japanese Breakfast ou dos Alvvays, dois dos melhores grupos do género. Os primeiros continuam a fazer tour pelo mundo com o aclamado 'Jubilee', um dos melhores trabalhos de 2021, mas o estilo progressivo do grupo e a voz doce de Michelle Zauner - umas vezes intensa e arrebatadora, outras vezes melancólica e etérea - acaba por ser intemporal (e houve ainda um momento para recordar com carinho a passagem por Paredes de Coura em 2018).
Ao lado, no palco Vodafone, Maggie Rogers trouxe uma lufada de energia mais pop a uma multidão que apreciou o concerto mais sentado do que em pé, aproveitando uma aberta no céu para relaxar; por outro lado, os irlandeses The Murder Capital cumpriram o papel de banda de punk rock com altas notas, gerando moshs e momentos de loucura que fizeram lembrar os primeiros tempos dos Idles.
A fechar a noite, Mora seguiu-se a Rosalía e continuou com a sonoridade latina com um espetáculo forte e mexido, mas já eram poucos os que ainda tinham energia para continuar a dançar com o porto-riquenho e o recinto já se esvaziava aos bocados.
Nota ainda para a presença portuguesa no Primavera Sound, com duas bandas nacionais a abriram os dois principais palcos do festival, com Fumo Ninja a acolher no palco Porto os primeiros festivaleiros do dia, e os Quadra a apresentarem no palco Vodafone o seu mais recente trabalho, 'Selva'.
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