"Paredes de Coura é sinónimo de descoberta. Se está cá, tem qualidade"
O emblemático festival minhoto comemora 30 anos de concertos na Praia Fluvial do Taboão. João Carvalho, promotor e fundador do Paredes de Coura, é o convidado desta segunda-feira do Vozes ao Minuto e fala-nos do cartaz deste ano, das dificuldades na contratação e nos momentos mais memoráveis do evento.
© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
Cultura vodafone paredes de coura
Quem vai a Paredes de Coura raramente conta conhecer a maioria do cartaz, ou sequer um terço dos nomes. O festival entra casa dos 30 anos em 2023 e a marca da edição deste ano é, mais uma vez, a da descoberta de novos nomes e novas bandas, com a garantia de que pelo menos algumas delas serão cabeças de cartaz pelo mundo fora - percorrendo o caminho trilhado por nomes como Coldplay ou Arcade Fire, que passaram pela pequena vila antes de serem os fenómenos da indústria que são hoje.
Essa identidade bem visível no cartaz de 2023 é admitida e promovida com orgulho por João Carvalho que, em 1993, criou com um grupo de amigos o então Festival de Música Moderna Portuguesa, em poucos dias. O espaço é o mesmo, embora mais limpo e moderno; a praia é a mesma (e o rio continua a temperaturas que quem lá mergulhou vai garantir serem semelhantes às águas do Ártico); e o entusiasmo, garante o promotor, mantém-se inalterado.
Prestes a fazer 30 anos como fundador do Vodafone Paredes de Coura, João Carvalho explicou ao Notícias ao Minuto as dificuldades (e felicidades) do cartaz deste ano, a dinâmica de 'rampa de lançamento' do certame, e recordou, claro, os momentos mais marcantes de um dos festivais de música mais importantes do país.
O Vodafone Paredes de Coura volta à Praia Fluvial do Taboão entre os dias 16 e 19 de agosto.
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O festival faz 30 anos e há uma espécie de 'regresso às origens' na programação, com um cartaz com muitos mais nomes emergentes, ou mesmo desconhecidos para a maioria do público, do que grandes nomes já reconhecidos. Foi intencional essa tendência?
É assim para os mais distraídos, para os melómanos já temos nomes muito, muito interessantes que, aliás, têm dado concertos maravilhosos noutros festivais e que se estão a afirmar como grandes projetos. Não me custa concordar com pessoas que dizem que falta aquele 'grande' nome, embora eu ache que temos nomes muito interessantes e nomes grandes, como Wilco, Explosions in the Sky, Lorde, Yung Lean, Loyle Carner, Jessie Ware. Mas se calhar faltaria uma banda com um efeito tipo Arcade Fire, Björk ou LCD Soundsystem.
A verdade é que isto da contratação não é uma ciência exata e foi um ano muito, muito complicado para contratação. Posso dizer que, da forma como as coisas estão a correr, o próximo ano vai ser realmente um ano em que vamos ter algumas bandas que marcaram a história do Paredes de Coura, mais até do que este ano, embora para comemorar 30 anos não tenhas de ter essas bandas. Quer dizer, os 30 anos também se podem comemorar, como dizes, voltando às origens.
Temos nomes unânimes, mas concordo que falta talvez um 'holofote' que ilumine o resto do cartaz
E qual é a importância desse formato de dar a conhecer coisas novas, que sempre marcou Paredes de Coura?
Nós temos tentado conjugar as duas coisas, ter tanto os nomes conhecidos por toda a gente, aqueles nomes que são unânimes pelos melómanos, como as novidades. Este ano, temos também esses nomes, mas ok, concordo que falta talvez um 'holofote' que ilumine o resto do cartaz. No outro dia, alguém me dizia: "Uau, o cartaz de Paredes de Coura está maravilhoso, não tinha olhado para ele realmente como deve ser". E provavelmente não olharam para ele como deve ser porque lhe falta essa iluminação. Fazendo uma metáfora, temos um jardim e flores e falta um candeeiro que ilumine essas flores, que agora começam a desabrochar.
Entretanto, saíram os horários, as pessoas começam a olhar para o cartaz e a perceber que tem nomes absolutamente maravilhosos que se vão agigantar, como Domi & JD Beck, por exemplo, como Kenny Beats, e ainda tens um segundo palco com Desire ou Les Savy Fav. Eu estava a olhar para o segundo palco e estava a ver a quantidade de bons nomes que cabiam no palco principal, tal qual se olhar para a programação do palco principal, vês um monstro do soul como é Lee Fields a abrir às 18h00, ou Tim Bernardes a abrir.
O que me parece é que é um cartaz muito mais homogéneo, um cartaz onde não há nenhum nome para encher, todos os nomes são nomes interessantes e que vão garantir bons concertos logo a partir das 18h30. Aliás, como tem acontecido ultimamente, mas este ano se calhar mais ainda: em vez de termos aquela banda grande, temos muitas bandas 'médias' e basta olhar para o último dia do festival, com Lee Fields - que eu adoro, acho que a imprensa não tem falado muito e vai ser um dos concertos marcantes, a mim faz muito lembrar o Charles Bradley e tenho a certeza absoluta que vai ter um efeito semelhante -, assim como Explosions in the Sky, Sleaford Mods, são tantos nomes que dou por mim a esquecer-me de quatro ou cinco fundamentais.
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É um cartaz que faz jus aos 30 anos de Paredes de Coura, um aniversário tão emblemático?
Sim, porque é a essência de Paredes de Coura. Agora, se me perguntasses se queria ter um cartaz onde estivessem Queens of the Stone Age, Parcels, Jungle, Flaming Lips, bandas que marcaram a história de Paredes de Coura, preferia, só que isto da contratação não é como nós queremos. É consoante as bandas que estão em digressão, algumas não estão a tocar, umas separaram-se, ou outras que, estando em digressão, não fazem no mês de agosto.
Isto de programar é complicado em Paredes de Coura como é para o Coachella, para o Primavera Sound ou para outro festival qualquer. E Paredes de Coura tem esta dificuldade acrescida, isto é um milagre fazer um festival isolado de outros festivais. Paredes de Coura não tem ao mesmo tempo nenhum festival num país ao lado, não há nenhum festival em Espanha, o que seria muito mais fácil porque as bandas que estivessem lá num dia podiam tocar aqui no outro, e não tem sequer um festival em França. E os festivais que se realizam no mesmo fim de semana estão no outro lado da Europa, estão nos Países Baixos, na Bélgica, na Alemanha, completamente fora de mão.
Mas temos a vantagem de as bandas adorarem tocar em Paredes de Coura, de agentes, músicas e pessoas ligadas à indústria que vêm a Paredes de Coura passarem a mensagem e, felizmente, temos sempre muitas bandas a querer tocar cá.
A maior dificuldade são realmente os cabeças de cartaz, mas quem é que dizia que os L'Impératrice seriam cabeças de cartaz? E no ano passado brilharam como um dos mais fantásticos nomes dos festivais do ano passado. E Paredes de Coura também é isso, tenho a certeza que este ano vai haver concertos memoráveis e marcantes para pessoas que depois vão querer ver as bandas noutro festival, e fazem elas muito bem, nós também temos essa função que é dar coisas novas a ouvir.
Paredes de Coura é um festival essencialmente de música, independentemente do género. Se tem qualidade, está cá
Nestes 30 anos, a dimensão mudou, obviamente, tal como o tipo de artistas. E como é que mudou a sua própria atitude e da organização depois destes anos todos?
O entusiasmo é o mesmo. Nós adoramos música, tanto eu como os meus sócios, como toda a equipa, o entusiasmo é o mesmo. Fecho uma banda pequena ou grande, se gostar dela, com o entusiasmo que fechava há 20, 30 anos. A programação mudou um bocadinho porque o mundo mudou: hoje em dia, basta falar-se com uma editora ou com uma simples loja de instrumentos para se perceber que se vendem menos guitarras, menos baterias, e mais instrumentos eletrónicos. Hoje não há tantas bandas de rock como havia antigamente, há mais hip-hop, mais música eletrónica, mas este sempre foi um festival essencialmente de rock.
Já houve mais oferta nesse estilo de música e as pessoas, e bem, não têm preconceitos em ouvir qualquer estilo de música, e costumo dizer que Paredes de Coura é um festival essencialmente de música, independentemente do género. Se tem qualidade, está em Paredes de Coura, pode ser reggae, pode ser rock, pode ser eletrónica. Agora, a tendência é, e será sempre, rock.
João Carvalho é um dos fundadores e diretor do festival de Paredes de Coura© Notícias ao Minuto/Hélio Carvalho
Com um número tão redondo, são também muitos os balanços às edições passadas. Há cartazes que são sempre evocados todos os anos, como o de 2005, que juntou Foo Fighters, Pixies, Arcade Fire, Nick Cave, Kaiser Chiefs e The National. Qual é, para si, a edição mais subvalorizada de Paredes de Coura e aquele concerto que adoraria ver como se fosse a primeira vez?
Continuo a achar que a menos valorizada foi a de 2005! Foi aquela 'super-edição' com os nomes que mencionaste, mas não teve as pessoas que tem hoje, as pessoas olharam com desconfiança para aquele cartaz. Havia obviamente nomes que já tinham carreira, como os Foo Fighters ou como o Nick Cave, mas o Nick Cave não era o fenómeno que é hoje, e os The National eram desconhecidos, tal como os Kaiser Chiefs e como os Arcade Fire.
Por isso é que eu digo que Paredes de Coura é sinónimo da descoberta. Se está em Paredes de Coura é porque tem qualidade, disso não tenho dúvida alguma. Essa foi uma super-edição, deu-nos o entusiasmo que na altura estávamos a precisar para fazer o festival, mas teria metade, se tanto, das pessoas que teve a edição do ano passado.
O concerto que mais gostei, que mais fiquei surpreendido, foi a primeira vez dos Queens of the Stone Age [2001], porque aquilo era realmente uma banda com uma energia incrível (na altura tinham, ainda não os vi mais recentemente), foi aquele efeito surpresa, eram uma fábrica de música. E também os Parcels [2019] porque, sendo uma banda praticamente desconhecida, era a primeira vez que vinham cá, entraram no palco com uma felicidade contagiante e uma interação como não me recordo de ver. Ou a primeira passagem dos Arcade Fire por Portugal [2005], daqueles momentos icónicos, ou bandas que nem gostava tanto, com os Gogol Bordello [2007], que tocaram às 18h30 e arrasaram completamente o anfiteatro.
Têm sido tantos os momentos, não posso esquecer de LCD Soundsystem, Sex Pistols, Motörhead, Flaming Lips (absolutamente inacreditáveis), os Mr. Bungle,
Mas tenho a convicção que, este ano, os Wilco vão dar um concerto memorável. Paredes de Coura tem essa magia, as coisas acontecem aqui com outra intensidade.
Passando novamente à edição deste ano, esta será a segunda edição do pós-pandemia. No ano passado, os custos dos materiais e de infraestruturas aumentaram consideravelmente, mas qual foi a maior dificuldade na produção deste ano?
Este ano é exatamente a mesma coisa, os preços aumentaram ainda mais, tem sido uma luta constante. A mão-de-obra está cada vez mais cara, as infraestruturas estão cada vez mais caras - nós trabalhamos muito com ferro e madeiras, ainda por cima com empresas fora de Paredes de Coura -, os transportes também estão cada vez mais caros. Tem sido realmente uma luta constante, mas o festival não perde qualidade, antes pelo contrário, estamos sempre a melhorar.
Isto é um festival bonito, como sempre foi - acho sempre que está mais bonito do que no ano anterior, mas devem ser os meus olhos (risos). Acho que este ano o festival está realmente muito, muito bonito e os trabalhos estão muito adiantados. Aliás, nunca senti o festival tão adiantado, também já estamos no terreno há praticamente um mês.
O Vodafone Paredes de Coura decorre desde 1993 na Praia Fluvial do Taboão© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
Mas é uma dificuldade que calha a todos, não é só este festival. Sofremos um bocadinho mais por ser um festival no Interior e ficar tudo ainda mais caro, porque a logística é muito mais complicada e, portanto, mais cara. Mas é assim que o mundo está, portanto não há muito a fazer.
E se o ano passado conseguiram manter o passe geral ao mesmo preço que na última edição pré-pandemia, este ano isso já não foi possível?
Não, não houve outra opção, e mesmo assim Portugal mantém os bilhetes mais baratos que qualquer festival desta dimensão que eu conheça no mundo. E não é preciso ir a Inglaterra, onde os bilhetes são três vezes mais caros, basta ir a Espanha, ao lado, e no mínimo um festival destes custa o dobro do preço.
As pessoas exigem, e bem, que querem ver as melhores bandas e a maior quantidade de bandas possível, mas houve aumentos das infraestruturas e também dos cachês das bandas - curiosamente, depois da pandemia, todas as bandas aumentaram o cachê. Quase que apetece dizer que já não há bandas baratas, porque de facto já não há, portanto tivemos obviamente de aumentar ligeiramente o preço do bilhete deste ano.
Quero que as pessoas se divirtam e isso vai acontecer, e que sejam felizes, que é esse o objetivo do festival Paredes de Coura, que seja uma máquina de felicidade massiva!
A nível de condições do campismo e do recinto deste ano, há novidades relativamente ao ano passado?
Quando tens ótimas condições, já é muito difícil inventar, mas nós todos os anos tentamos fazê-lo. Inventámos uns bancos de jardim na própria estrutura do festival, no início do anfiteatro, criámos mais zonas e diversidade de restauração, e mantivemos com pormenor e com requinte as infraestruturas que temos. Porque mesmo querendo mexer todos os anos e fazer diferente, chega a um ponto onde já não há muito por onde inventar, portanto neste momento o que nós fazemos é melhorar o que temos feito bem até aqui.
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Ainda há bilhetes à venda, numa altura em que estamos a praticamente a uma semana do festival começar [data em que foi realizada a entrevista]. Como é que está a correr a venda de ingressos?
Está a correr de acordo com as expectativas, estão no bom caminho para termos casa cheia. Se a pergunta é se estou feliz com a quantidade de vendas deste ano, estou, sim senhor.
Tenho a certeza de que vai ser mais um festival de casa cheia, o bom tempo está garantido - temos visto a meteorologia porque, depois do Primavera Sound, obviamente que ficámos com receio que voltasse a chover, mas não, está garantido sol todos os dias e temperaturas elevadas. Portanto, quero que as pessoas se divirtam e isso vai acontecer, e que sejam felizes, que é esse o objetivo do festival Paredes de Coura, que seja uma máquina de felicidade massiva!
Podemos contar com alguma surpresa 'extra' para celebrar os 30 anos?
Surpresas há sempre (risos)! Mas se estão à espera de uma banda surpresa, isso não vai acontecer. Agora, vão acontecer pequenas coisas, pequenos pormenores e comemorações, isso sim.
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