"Fico muito lisonjeado, muito grato [por ser o homenageado do Escritaria 2024]. Soube que é a primeira vez que homenageiam um brasileiro", disse Arnaldo Antunes, em entrevista à agência Lusa, por telefone, a partir do Brasil, numa conversa em que também deixou um alerta sobre "o crescimento da extrema-direita no mundo", algo a que se deve "ficar muito atento, para encontrar formas de reagir".
O músico e escritor ficou "muito contente" por ser o protagonista desta edição do Escritaria, "principalmente por poder estar presente a apresentar várias facetas" do seu trabalho e "encontrar muitas pessoas" que admira, "artistas e amigos".
Entre os artistas que participam este ano na Escritaria, Arnaldo Antunes destaca as cantoras Adriana Calcanhotto, convidada para um concerto do homenageado no dia 25, Marisa Monte, que participa no dia 24 numa conversa-concerto, e ainda os escritores Valter Hugo Mãe e Mia Couto, que apresenta, no dia 24, o seu mais recente romance, 'A cegueira do rio'.
O programa inclui também a apresentação de uma coletânea de poesia de Arnaldo Antunes e a exibição de um documentário sobre o seu trabalho.
"São várias atividades e claro que me sinto muito grato e gratificado", disse.
A programação, segundo a organização, "espelha o caráter multidisciplinar do homenageado".
Ser músico e escritor são atividades que Arnaldo Antunes exerce desde a adolescência.
"Na mesma época em que comecei a escrever os meus primeiros poemas, tinha aulas de violão e já queria compor as primeiras canções. Isto nos anos 1970, num meio em que a música popular estava muito próxima da poesia escrita. Houve uma aproximação da poesia concreta com a Tropicália [movimento cultural brasileiro], e são duas coisas que me influenciaram imensamente. Tal como outros poetas que já atuavam entre o livro e a canção, como Waly Salomão, Paulo Leminski, Vinicius de Moraes, Torquato Neto ou Antonio Cícero", recordou.
Mais conhecido enquanto músico do que como escritor, Arnaldo Antunes sempre se sentiu "muito livre entre esses dois territórios", a música e a escrita. "Porque os dois, de certa forma, têm uma intersecção grande, que é o trabalho com a palavra em si. De certa forma interessa-me muito mais fazer o trânsito entre elas do que separá-las", partilhou.
Arnaldo Antunes é autor de mais de 20 livros, sobretudo de poesia e de literatura infantojuvenil, e venceu dois prémios Jabuti, em 1993 e 2016, com 'As coisas' e 'Agora aqui ninguém precisa de si', mas é sobretudo enquanto músico que é reconhecido pelo grande público.
Antes de editar o primeiro álbum a solo, 'Nome', em 1993, Arnaldo Antunes fez parte dos Titãs. Mais tarde, juntou-se a Marisa Monte e Carlinhos Brown no projeto Tribalistas.
Para Arnaldo Antunes, o Brasil atravessa hoje "um período muito melhor do que há uns anos atrás", quando o ultraconservador autoritário de extrema-direita Jair Bonsonaro era presidente do Brasil.
"Era um período de uma ameaça constante à Democracia, à diversidade, à Cultura, ao Meio Ambiente", disse Arnaldo Antunes à Lusa. Uma ameaça "a tudo o que a gente preza".
O músico e escritor, no entanto, alerta que "essa força da extrema-direita continua a rondar".
"O Brasil está muito dividido. E acho que consiste num trabalho de consciencialização diário de luta e de resistência para que eles não voltem a assombrar-nos", afirmou.
Enquanto poeta, reconhece que "a poesia não muda efetivamente o mundo", no entanto "ela muda cada pessoa"
"As Artes em geral, ao transformar indivíduos, ao transformar a consciência e a sensibilidade das pessoas, tem um papel político, indiretamente, de transformação do mundo. Mas é claro que a realidade factual não se transforma com poesia, mas como cidadão eu posso posicionar-me e atuar nas direções políticas", afirmou.
Sendo o papel da Arte "falar de tudo" o que vivemos, ela acaba por não conseguir fugir da situação política, "principalmente em tempos tão radicais de ameaça, de retrocesso, de intolerância, tudo o que se tem assistido".
"Não é só no Brasil, no mundo. O crescimento geral da extrema-direita no mundo é uma coisa para se ficar muito atento, para encontrar formas de reagir a isso", afiançou.
O Escritaria 2024, que decorre até 27 de outubro, vai perpetuar o nome do Arnaldo Antunes, à semelhança dos autores homenageados anteriormente, com uma silhueta e uma frase sua, num espaço público da cidade.
Ao longo de 16 anos, o festival literário de Penafiel já homenageou Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto, António Lobo Antunes, Mário de Carvalho, Lídia Jorge, Mário Cláudio, Alice Vieira, Miguel Sousa Tavares, Pepetela, Manuel Alegre, Mário Zambujal, Germano Almeida, Ana Luísa Amaral e Miguel Esteves Cardoso.
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