Ópera lembra "caso fascinante" de Natália de Andrade
A ópera 'O nosso amor é... -- Uma ópera para Natália de Andrade', de Luís Soldado, com libreto de Rui Zink, estreia-se dia 28 em Torres Vedras, em homenagem a uma cantora que foi "muito ridicularizada", disse o compositor.
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Cultura Ópera
A ópera centra-se na figura da cantora lírica Natália de Andrade (1910-1999), que chegou a participar numa ópera de Ruy Coelho, na década de 1940.
Porém, a artista, ao longo da sua carreira, foi ridiculizada, por não cantar segundo os cânones. Natália de Andrade gravou o seu primeiro disco aos 54 anos, em Madrid, e um dos pontos altos da sua carreira terá sido quando participou no programa 'Passeio dos Alegres', na RTP, na década de 1980. A cantora foi caricaturada pelo humorista Herman José, interpretando 'O Nosso Amor é Verde'.
Para o compositor Luís Soldado, este é "um caso fascinante e, claro, um tema muito operático pois é algo maior que a vida, e a ópera acaba por ser isso, algo maior que a realidade".
Em declarações à agência Lusa, Luís Soldado recordou quando, ainda estudante de composição em Lisboa, ouviu contar que Natália de Andrade era convidada para cantar em eventos públicos ou privados, com uma pequena orquestra, o que era filmado e distribuído em cassetes VHS, "só para gozar com ela".
Natália de Andrade "não cantava bem, mas estudara a técnica do canto", disse Luís Soldado.
"Havia, de facto muita gente que gozava com ela", mas "era outro Portugal", "era um país que tinha medo de ser ridículo e que gostava de apontar o dedo a coisas ridículas, e a Natália servia esse propósito".
O compositor considera que "Natália já não estava nas suas capacidades mentais". Para Luís Soldado, é claro que "Natália tinha um problema do foro mental".
"Não é possível alguém cantar daquela maneira e achar que canta bem, simplesmente não é possível", sustentou.
Segundo Soldado, Natália de Andrade "tinha alguma formação musical, apesar de se observar nas gravações que cantava muito mal, percebe-se que na técnica havia ali escola e estudo".
"Tanto quanto investiguei foi a própria mãe que a incentivou e lhe disse que era a maior cantora do país", referiu.
"Nos próprios diários, encontrados mais tarde, ela escreveu o que pensava, que era uma grande cantora", revelou Luís Soldado.
Natália de Andrade é "apenas mais uma protagonista da história subterrânea da cultura portuguesa que ficou soterrada sob o labéu de louca ou excêntrica, e terminou os seus dias como piada fácil".
"Ela nunca foi levada a sério como cantora, mas o que nós queremos aqui reforçar é de certa forma um 'bullying' de que foi alvo, pois brincou-se com a Natália, como se brinca com uma série de fragilidades humanas, que também são comuns a nós, como o medo do ridículo", disse à Lusa Luís Soldado.
"Ao lançar este desafio ao [escritor] Rui Zink, aproveitámos para abordar uma outra série de mulheres que ao longo do século XX português foram ridicularizadas", designadamente a poetisa Florbela Espanca e a estadista Maria de Lourdes Pintasilgo, entre outras, que vão ser abordadas na ópera. "A Natália acaba por dar voz a elas todas", referiu.
"Quer queiramos quer não continua a haver uma misoginia, se for um homem a falar de uma forma assertiva é um homem forte, se for uma mulher é visto como alguém que devia estar no seu lugar, vemos como arrogante", argumentou.
O compositor fez um paralelo entre a portuguesa Natália de Andrade e a milionária norte-americana Florence Foster Jenkins (1868--1944), retratada no cinema por Meryl Streep, "com a diferença que esta pagava para a ouvirem cantar mal e ninguém se atrevia a criticá-la, e a Natália não tinha dinheiro".
A ópera de câmara, em um ato e com a duração de cerca de 60 minutos, surge no âmbito do núcleo de criação constituído na Companhia de Ópera e Artes Contemporâneas (AREPO), com sede em Torres Vedras, no distrito de Lisboa.
Este núcleo, além do Rui Zink, com quem Soldado colabora desde 2006, inclui ainda a direção musical do maestro Rui Pinheiro e a encenação de Linda Valadas.
O elenco conta com dois cantores, a meio-soprano Carla Simões e o barítono Nuno de Araújo Pereira, e a atriz Ana Padrão "que está um pouco fora do seu elemento, que é o cinema, mas que aceitou de bom agrado o desafio", e os músicos Nuno Mendes (violino), Sandra Pinto (fagote), Teresa Araújo (violoncelo) e Romeu Santos (contrabaixo).
'O nosso amor é... -- Uma ópera para Natália de Andrade', de Luís Soldado, estreia-se no próximo dia 28 de novembro no Centro de Artes e Criatividade, em Torres Vedras, onde volta à cena nos dias 30 de novembro e 01 de dezembro, e, numa sessão especial destinada exclusivamente à comunidade escolar, no dia 08 de dezembro. No dia 29, está em cena na Casa da Cultura Jaime Lobo e Silva, na Ericeira.
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